Entrevista com  Ângela Bonati

entrevistada por Adriana Mello

Ângela com sua afilhada Caroline, dubladora e apresentadora da TV Globinho

Ângela Bonati: Minha mãe era a atriz da família e me encaminhou desde menininha.

Como não pode concretizar sua vocação – fez poucos trabalhos como atriz – logo me levou para o teatro, o Grande Teatro, onde eventualmente trabalhava.

Minha mãe começou com uns vinte anos, fazendo teatro de revista. Trabalhou no Cassino da Urca, com Grande Otelo. Era muito linda.

Mas o sucesso real veio quando ela já estava com oitenta anos. Foi quando ela participou da novela “A Viagem”, na Rede Globo. Porque até ali ela já havia feito várias pontas na Globo e quase não aparecia.

Mas na “A Viagem”, ela velhinha, corcundinha, de bengala, conseguiu que o Brasil inteiro comentasse sobre a vovó da novela. Quando ela aparecia, roubava a cena.

Isso foi muito bom para ela porque foi justamente nos últimos anos de sua vida. Ela faleceu no dia 11 de abril de 2000 e me deixou muitas saudades.

Foi ela a responsável por todas as peças que fiz em teatro, tudo que trabalhei em televisão, e além do mais pela minha cultura.

Consegui fazer paralelamente, com muito sacrifício – nós éramos muito pobres – a faculdade de Ciências e Letras. Copiava tudo, à noite, à mão, todos os pontos da faculdade.

Eu queria fazer direito, ser diplomata, mas o dinheiro era curtíssimo.

Minha mãe sempre queria me acompanhar, estar em todos os lugares, era muito cuidadosa comigo.

Comecei fazendo televisão, nós fazíamos juntas.

Brasil em Cena: Qual foi o seu primeiro trabalho e que idade você tinha?

Ângela Bonati: Acho que tinha quatorze anos.

Fiz o Grande Teatro com Sérgio Brito, “Casa de Bernarda Alba”, “Carnê de Baile”, “Zeda Gabler”. Sempre com Fernanda, Sérgio, Ítalo, que já eram monstros. Trabalhei com eles quando começaram no Grande Teatro, na TV Tupi.

Eu ia assistir os ensaios, ficava lá no cantinho e um belo dia o Sérgio resolveu me dar uma chance e eu entrei fazendo uma pontinha. Eu seria capaz de fazer qualquer papel porque decorava tudo.

Um dia estava faltando uma empregadinha que ele me deu para fazer, e assim fui entrando nas peças.

Toda segunda-feira, que era dia do Grande Teatro, e eu chorava quando não tinha uma pontinha para fazer. Além do que eu também ganhava um dinheirinho.

Fiz Mambembe com eles no teatro Municipal, fiz Copacabana Palace com eles também, “O Cristo Proclamado”, e fui logo convidada para fazer cinema.

 No cinema fiz “Tocaia no Asfalto”, “Bonitinha mas Ordinária”, “O Homem que Roubou a Copa do Mundo”, “Manaus”, onde eu fazia uma índia. Ganhei o papel em teste, apesar de ser loira. Tive que pintar todo o corpo, botar peruca. Era uma co-produção.

Depois disso começou aquela coisa de fazer teatro “Casar ou Experimentar” com Vitor Vergara, “Período de Ajustamento”, “Os da Esquerda São Devotos de Santo Antônio” com André Vion e Dulcina de Moraes. E numa dessas paradinhas que a gente dá – fui à Bahia fazer o filme “Tocaia no Asfalto”, com Geraldo Del Rei e Agildo Ribeiro – fiquei com falta de dinheiro, lógico. Mesmo trabalhando muito – aparecia em jornais, revistas, fui uma das certinhas do Lalau, fui capa de Fatos e Fotos, Cinelândia – mas sempre falta um dinheirinho, né?

Foi aí que a Glauce Rocha que era uma moça maravilhosa, uma atriz sensacional, me deu uma força.

Eu liguei para ela – eu era menina – e falei que estava numa situação difícil. Perguntei se ela sabia de alguma coisa em que eu pudesse fazer um teste – uma peça, um ensaio. Ela me indicou uma diretora de São Paulo, Carla Tiveli, que estava começando aqui no Rio uma nova arte - dublagem.

Ela era diretora de teatro, televisão e cinema em São Paulo e estava vindo lançar dublagem aqui, no Rio de Janeiro.

Eu fui. A dublagem era feita numa casa em uma ruazinha no Jardim Botânico, nos fundos da casa. Um estúdio pequenininho.

Lá encontrei Cláudio Correa de Castro, Cláudio Cavalcante, Sérgio Cardoso, Hugo Carvana, Miéle, José Lisiara. Monstros do teatro que estavam trabalhando.

Logo que entrei no estúdio a diretora me disse: “Faz esta cena”.

Era de uma fotógrafa. Eu imaginei que era um filme. Tinha uma luta de Boxe e em dado momento a fotógrafa se levantava e falava alguma coisa.

A Glauce já devia ter avisado a ela que eu iria, não é? Eu vi a cena e gravamos.

Depois ela disse: “Amanhã esteja aqui às oito horas”.

Aí começou minha carreira em dublagem que me tirou do teatro, do cinema e da televisão.

Era um trabalho contínuo, quase todo dia, e que me dava um rendimento superior aos contratos em teatro que às vezes duravam três meses, seis meses.

BeC: Que tipo de dublagem você começou fazendo?

Ângela Bonati: Várias vozes em companhia de Nicete Bruno, Natália Timberg, Herval Rossano, Daniel Filho, a esposa dele Dorinha Duval, todos dublavam nessa época e são as vozes dos filmes antigos que passam na televisão até hoje.

O Daniel Filho, que agora é um diretor famosíssimo – não deve querer nem lembrar – sempre foi aficcionado por cinema; mas chegava lá para dublar. Ele era muito jovem, um menino.

Fiz a “Lucille Ball, I Love Lucy, que até hoje passa com a minha voz na televisão.

Criando assim sobre os textos, que eram muito duros, eram traduções literais, mas eu comecei a inovar, falar com naturalidade, com fluência.

Você assiste a Lucille Ball, e vê que não é como as dublagens atuais, porque estas eu já não gosto tanto.

Naquele tempo, quando eu fazia a Lucille Ball, era uma interpretação fluente, não tão presa ao sincronismo. Você começava junto, acabava junto, tinha um editor de som, que colocava as falas no lugar se ficavam mais, mas você tinha a oportunidade de realmente interpretar. Porque você fazia dentro do seu ritmo, com palavras em português agradável.

 Acho que o importante na dublagem é que o espectador esqueça que aquele filme foi feito originalmente em outro idioma. Ele tem que se integrar tanto ao que está ouvindo que esqueça que aquele é um filme americano ou seja que outra língua for; e só se consegue isso com a interpretação da voz. A voz tem que dar uma interpretação que seja igual à expressão. O volume de voz no tom feito originalmente, tudo tem que acompanhar ao máximo, uma cópia, como se fosse um papel fino em cima do original.

No momento em que você exagera – super ou sub - valoriza aquilo que você está fazendo e já perdeu o seu objetivo básico.

Eu lamento que haja diminuído um pouco a qualidade da interpretação na dublagem.

Há uma novo entendimento entre o cliente e as emissoras de que o sincronismo labial tem que ser absoluto.

Então você vê uma novela mexicana que as palavras são mais ou menos iguais às nossas e nós tentamos colocar – eu fiz poucas – mas tentam colocar a palavra em português exatamente em cima da palavra que está sendo dita em espanhol. Isso ocasiona uma lentidão na interpretação porque o mexicano interpreta de outra maneira; também o argentino, o venezuelano. Eles têm outro ritmo para falar. A frase deles tem outro ritmo. Nós falamos diferente.

Do momento em que você começa a colocar naquele ritmo para pegar bem a palavra, fica cansativo de ouvir, fica monótono, fica uma cantilena. Não é no idioma deles, que estão habituados, mas no nosso é. E algumas palavras que eles usam são over para nós.

O figurino deles é over, a cor é over, as histórias são over. Então a interpretação tem que tentar suavizar isso para nós. Não estamos habituados com esse over.

A novela não é horrível, ela não é um dramalhão. Ela é característica do México, por exemplo. O México é um país colorido, ele dá ênfase às cores. Então tem o chapelão, muitas cores nos mantos, nas túnicas e assim são as estrelas que trabalham nas suas novelas. As atrizes usam muito chapéu, se maquiam demais, é tudo uma outra maneira de encarar. Não é dizer que a novela é uma coisa horrível. Não é horrível, ela é mexicana, argentina, paraguaia.

A nossa é diferente. A nossa novela já seguiu por um outro caminho. São dramas psicológicos, sociais, naturais; procura copiar a nossa vida, o nosso dia a dia.

E a deles é fantasia. É sempre meio fábula. Tem bruxa, que é a malvada da novela, tem a boazinha, a romântica. Sempre acompanha as mesmas características.

Quem gosta de fotonovela, quem gosta desses romances açucarados, adora.

Mas nós temos que suavizar um pouquinho o diálogo. Já recebemos críticas injustas.

Dizem que a interpretação, os dubladores são como se bonecos estivessem falando. Eles estão criticando o dublador brasileiro, mas na verdade ele só coloca a voz.

O que está acontecendo na tela, o ator, a atriz, não são nossos. Acho que pecamos um pouco aí, acompanhar demais.

Uma interpretação mais fluente, não tão presa às palavras no meio da frase seria o ideal. Pode começar junto e acabar junto; porque no inglês, por exemplo, você não acompanha a palavra.

E quantos filmes lindos você vê dublados e esquece que são dublados.

Tem filmes que eu dirigi a dublagem e até hoje a Globo passa todo ano como o “ET” – com crianças – “E... o vento levou”, que a Globo reprisa todo ano na dublagem antiga, que nós fizemos há anos. Porque ela não redublou ainda? Porque está muito boa!

Eles tentaram redublar o “ET” por problemas de som, porque foi gravado com a técnica antiga, magnético e ótico e hoje em dia já é digital. Mas desistiu. Fez alguns testes com vozes atuais, mas continuou com aquela.

A primeira novela mexicana que eu fiz teve uma audiência brutal e chamava “A Rosa Selvagem”. Eu dublei a Verônica Castro que fazia o papel principal e dirigi a novela toda, foi no SBT. Teve uma audiência tão grande que balançou o dono do mundo na Globo.

O Jornal Nacional mudou de horário. O Sílvio Santos conseguiu acho que 45% de audiência. Então ele começou a trazer as novelas mexicanas todas.

Mas nessa novela mexicana eu não acompanhei essa coisa da voz eu fiz como sou, como atriz que eu sou. Emprestei minha voz à Verônica Castro e ela veio ao Brasil. Foi tal o sucesso que ela foi convidada. Foi entrevistada pelo Jô Soares, ele perguntou sobre a dublagem e ela disse que tinha considerado muito boa. Eu não pude à entrevista porque estava gravando.

Ela disse que estava de acordo com aquilo que imaginava. Ela foi muito gentil porque poderia ter dito simplesmente que foi boa.

Daí para a frente eu só dirigi. Novelas que  tiveram também grandes sucessos foram “Maria, Simplesmente Maria”, mexicana e ninguém acreditava, “Como Alcançar uma Estrela”, que era uma novela bobinha e de repente fez tanto sucesso que veio a segunda parte que eu já não fiz.

“Maria Mercedes”, que trouxe a Tália, foi a primeira novela dirigida por mim. Fez um sucesso enorme. Depois o SBT já exibiu a “Maria do Bairro” e outras novelas que ela veio fazendo.

Já a “Gotinha de amor” – que eu deixei muito tempo de dirigir novela mexicana, fiquei fazendo outras coisas – é de agora, recentemente. Esta eu dividi a direção com um outro diretor que se chama Carlos Roberto.

E já encontrei uma outra fase, a labial certinha, que eu acompanhei, lógico.

Já li críticas que eu não tinha lido em outras dublagens. E agora também é o cliente que escolhe a voz.

Eu li na entrevista do Márcio, na Brasil em Cena, ele dizendo que diretor às vezes escala uma pessoa para fazer determinado papel, e não pode usar porque aquele dublador está ocupado em outro horário ou não pode, então ele acaba ficando com a terceira ou quarta opção para aquele personagem.

Na verdade, eu sou diretora desde 1977, então eu tenho uma bagagem enorme de filmes e filmes que eu nem me lembro.

Mas atualmente as vozes são escolhidas pelos clientes. Você manda três testes que são escolhidos no departamento de escalação e às vezes esses testes não são dirigidos por um diretor e outra pessoa escala as vozes. Vai para o cliente; este escolhe a voz que quer, que mais se adaptou, que ele gostou. Mas nem sempre durante o desenvolver da novela, aquela pessoa com aquela voz tem a experiência necessária para fazer o papel que ela vai enfrentar, que ninguém ainda conhece porque vê só um ou dois capítulos.

Aí o diretor se vê às vezes com uma voz inexperiente ainda, escolhida pelo cliente e você tenta fazer o melhor possível e a pessoa também! Tanto que na “Gotinha”, eu entrei com algumas pessoas que eram inexperientes, que nos primeiros episódios não foram cem por cento mas que com o desenrolar dos capítulos foram se aperfeiçoando e terminaram no alto, porque durante o trabalho foram aprendendo com o diretor.

Mas o diretor não está ali para ensinar, e sim para trabalhar com um profissional que venha pronto, mas nós vamos ensinando as pessoas que são escolhidas pela voz.

Antigamente eu estava, por exemplo, com o Cláudio Cavalcante e sabia que ele ia me dar tudo.

BeC: Quanto tempo demora um curso de dublagem para uma pessoa ficar bem experiente?

Ângela Bonati: Tem dubladores que estão há anos e não conseguiram ainda - cinco anos, três anos.

E tem pessoas que vêm de um curso e logo conseguem, mas a parte técnica, porque talento você nasce com ele. Você aperfeiçoa, durante a sua vida, com muito estudo, interpretando vários personagens em teatro, lendo muito, vendo muito. Agora se você sai de um curso onde fez pouca coisa como ator – em geral é assim – e vai fazer o curso de dublagem tem que ter as noções básicas. Mas nesse curso você fez três ou quatro meses e a pessoa que está dando o curso deu as noções básicas: como entrar no estúdio, como virar a página do script; esse aqui você faz com a voz grave, esse outro com a voz leve, etc, mas acaba se aperfeiçoando com o tempo, e trabalha com o seu sincronismo que é o seu reflexo.

O reflexo é como jogar um vídeo game, por isso as crianças se dão tão bem. Se você tem um reflexo apurado, você entra quando abre a boca, certinho, faz dentro do tempo.

Porque para dublar você tem que ler ao mesmo tempo que interpreta e olha a tela para fazer dentro daquele tempo. Tem o tempo, a pausa e a interpretação.

Antigamente a gente não tinha som guia, isto é, não trabalhava com fone no ouvido com o idioma original.

Você assistia a cena com o idioma original, depois tirava o som e você dublava apenas vendo e lendo, porque é um texto que você vai dizer em três minutos. Tem que aprender o que aquele diretor, aquele ator tentou passar na cena, porque você não vê o filme.

Quando você chega o diretor diz: “olha, a história é mais ou menos esta. Veja a experiência artística que um ator tem que ter para pegar isso tudo. Ler, interpretar, observar o personagem...

Às vezes eu estou dirigindo e digo: Você, para falar esta frase – e são dubladores já conhecidos – tem que rir porque ele está rindo. Porque se você não rir aqui no estúdio, a sua voz não vai parecer a de uma pessoa que está rindo.

BeC: Qual o trabalho que você está fazendo agora?

Ângela Bonati: Estou fazendo Digimon. Eu fiz o primeiro ano, nós lançamos em cima do Pokemon que já era um grande sucesso, mas eu lancei cheia de esperança e coloquei a minha marca registrada. Você percebe o diálogo e se tiver sensibilidade vai notar que eles têm uma maneira de falar diferente, um diálogo, as palavras engraçadinhas.

Agora a Globo trouxe o segundo ano que é muito interessante também. Os personagens são novos mas também os antigos estão junto. Também com aquela marca de ser bem alegre com a linguagem que nós usamos, trazendo a linguagem para a nossa maneira de falar e das crianças. Eu acho que vai ser um grande sucesso.

Eu dirigi “Ônibus Mágico”, “Arthur”, que está na Globo agora e já foi um grande sucesso na TV a cabo, “Jerry e Seus Três Amigos”, mas agora vou ficar só com o “Digimon” para as crianças.

Longa metragem eu fiz “Os Contos Secretos do Marquês de Sade”, eu dirigi a dublagem. O Márcio Seixas dubla o Michael Caine – está muito bem dublado – ele é excelente. Eu dirigia uma série que ele fazia maravilhosa. Ele pegou tudo do Bill Cosby, um negro americano, excelente ator, comediante que tem uma série e o Márcio dublava. A série é na TV a cabo.

As crianças do “Digimon” dublam ouvindo o idioma japonês como som guia, o que é muito difícil.

BeC: Você também fez um documentário para o canal Discovery?

Ângela Bonati: Foi sobre os elefantes, muito interessante. Eles instalaram uma câmera na cabeça de um elefante selvagem.

Do helicóptero eles lançaram uma injeção que botou aquele enorme bicho para dormir e desceram os cientistas, veterinários para instalaram com um cinturão uma câmera que o elefante suporta na cabeça e não incomoda. Tem também um limpador para o caso do elefante se jogar na lama ou se sujar de outra maneira.

Assim eles descobriram que os elefantes se comunicam, sofrem. Quando morre um, eles ficam ali em volta do corpo umas três horas sabendo quem morreu, que era daquele grupo.

Eles acompanham. É como se raciocinassem. Os cientistas quase chegaram a pensar que o elefante pensa. Há trinta anos que eles têm contato com esses animais, e nessa pesquisa ele viu o elefante de novo.

O elefante o viu e o reconheceu, porque vinha andando em direção a ele que estava sentado numa cerca alta. O elefante pára durante alguns momentos na frente dele e depois desvia –  poderia atacá-lo. Eles tiveram a sensação que o animal os estava reconhecendo. Por isso se diz “memória de elefante”.

Os antigos já tinham percebido isso. Se ele tem memória, ele pensa.

Você já pensou esses animais, por centenas de anos sendo escravizados, sofrendo, e todas as maldades que se faz com o elefante?

Com todos os animais, porque você imagina que eles não pensam, só porque não conseguem se comunicar e não têm a mesma forma que nós. Então nós abusamos do que Deus nos deu contra os nossos irmãos que São Francisco já sentiu.

BeC: O que é preciso para o ensinamento da dublagem?

Ângela Bonati: Tem que ter interpretação, ser ator – talentoso ou não – porque também pode ser ator por estudo ou trabalho, mas tem que ter aula de interpretação antes da aula de dublagem. Essa aula pode ser no primeiro dia, uma hora antes; onde leia, aprenda sobre teatro, de onde nasceu o teatro, levando tudo isso em consideração.

Ler muito, ser sensibilizado para aquilo para que a inflexão brote naturalmente da criança, e não que ela imite o adulto.

Porque a criança que é ensinada a dublar – vamos dizer assim – acaba entrando num parâmetro e todas falam igual, porque elas imitam o adulto imitando criança.

E a criança fala espontaneamente, faz a pausa espontaneamente, ela erra para falar e isso pode ser aproveitado, uma certa dificuldade de falar da criança. Porque a criança tem uma forma de falar diferente.

BeC: Tem dever de casa?

Ângela Bonati: Tem dever de casa. Tem que fazer exercício para a articulação das mandíbulas soltarem para falar com facilidade e rapidez todas as palavras necessárias numa frase, inclusive tons.

Isso eu aprendi porque fiz conservatório nacional de teatro. Fiz com Olavo de Barros, Daniel Rocha, Beatriz Bandeira, Maria Wanderlei. Assisti aos ensaios de Fernanda Montenegro, de todas as peças. Então eu adquiri com muitos anos, uma certa cultura, que eu acho ainda muito aquém da que eu deveria ter, porque não continuei a fazer teatro.

Mas um bom estudante de teatro, de dublagem, a criança, ou qualquer pessoa, tem que ter o curso de teatro; para fazer televisão.

A Bárbara Eliodoro, como disse o Márcio muito bem: “Você não vai fazer uma peça para aprender a ser ator. Você tem que ser ator primeiro e ser convocado para a peça.”

Tem que estudar primeiro e levar o seu talento e o seu trabalho para um papel pequeno!

A gente tem que começar de baixo e ir galgando, ir se aperfeiçoando como era antigamente.

Hoje em dia o ator novo faz o papel principal, de galã de uma novela e aí todo mundo malha.

BeC: Como está o mercado de trabalho?

Ângela Bonati: Cada vez mais comprimido, porque saem várias pessoas das escolas cheias de esperanças, vão para as empresas, conseguem uns registros por alguma coisa que fizeram – eu soube que tem uma escola de teatro que em um ano dá o registro de ator – o tempo, na verdade, depende do aluno, mas mesmo o maior gênio, se entrar numa faculdade, é obrigado a acompanhar os anos da faculdade, ou não é?

Tem dubladores com três, cinco, oito anos, até  trinta... que ainda não conseguiram. Tem uns que são excelentes atores, mas não sincronizam e outros que são excelentes sincronizadores, mas não são tão bons atores.

Com o tempo, de tanto trabalhar para ganhar – você trabalha por hora para ganhar muito – então você trabalha tanto por hora, tanto naquele desespero de ganhar, que você acaba fazendo da sua interpretação um padrão. Você já sabe que aquela frase funciona daquele jeito, e aquela voz daquele jeito. Então, cadê a criatividade?

Dublador é um ramo da arte de ser ator; é uma especialização. Mas há o tronco, a árvore. Tudo depende de trabalhar, ralar muito, sofrer muito, tudo para conseguir um bom papel para você ser realmente a estrela, o galã da novela e dar algo de novo para o público.