Antonio Amancio

Antonio Amancio, ator formado pela Cal com pós-graduação em linguagem teatral pela Fundação Brasileira de Teatro, é professor de atores de teatro e televisão no Cepece (Centro de Pesquisa e Experimentação Cênica). Tem dado oficinas e workshops por todo o Brasil, e recebe alunos do país inteiro para seus cursos. Fundou a Companhia Escola de Teatro, com a proposta de formar atores através da montagem de espetáculos. O endereço é rua Marquês de Olinda 75, o telefone é 266-6500, Botafogo.
Entrevistado por Adriana Mello.

Brasil em Cena: Como você chegou a essa sua Escola?

Antonio Amancio: Meu nome é Antonio Amancio Cañaes, sou ator formado pela Cal. Antes de ser ator, me formei em Administração de Empresas e Matemática. Fui funcionário da multinacional Aracruz Celulose.

Um dia, achei aquilo tudo muito chato, fui para um terapeuta, e resolvi que queria ser ator.

Pedi então transferência para a UFF,  eu já estava fazendo uma terceira faculdade, de comunicação, e precisaria de mais seis meses para os processos de transição da universidade do Espírito Santo para a Universidade Federal Fluminense.

BeC: Você é do Espírito Santo?

A. A.: Não, eu sou carioca, minha família é do Espírito Santo, toda a minha família é capixaba. Sou o caçula de uma família grande, nasci no Rio porque meus pais se mudaram para cá.

Nessa época eu tinha 21anos pensei: tenho que decidir, já que sou profissional e não tenho emprego, preciso encontrar na arte uma profissão. Sou ariano e muito pé no chão, precisava de segurança; a terapia me ajudou muito.

Fui fazer Cal por seis meses, até que minha transferência fosse efetuada para a UFF. Eu queria ser diretor de cinema, mas precisava entender de ator. Na Cal, depois dos primeiros seis meses, eu não quis outra coisa a não ser trabalhar com isso, e de lá para cá, eu não parei.

BeC: Você fez o curso completo da Cal?

A. A.:  Fiz Cal durante três anos e meio, que é o curso completo. Aliás, eu fiz o curso todo, cumpri todos os créditos, mas na montagem final, porque eles encerram o período com uma montagem final, eu viajei, fui morar fora.

BeC: Mas você chegou a participar da montagem?

Você só é um profissional quando o mercado te reconhece como tal. É uma labuta absurda se mostrar para o mercado, para que ele possa te reconhecer como profissional. É nessa transição que muitos artistas ficam no meio do caminho.

A. A: Não. Quando terminamos um curso de interpretação, ficamos muito preocupados com o mercado, se ele vai te absorver ou não, e isso gera um stress coletivo. Todo mundo que está se formando fica inseguro. Porque a escola funciona para você como uma proteção. Enquanto você está na escola, você tem um álibi de ser aprendiz, você tem um ofício. Quando você sai da escola, ela te dá um título; na teoria você é um profissional, mas na realidade não é. Você só é um profissional quando o mercado te reconhece como tal. É uma labuta absurda se mostrar para o mercado, para que ele possa te reconhecer como profissional. É nessa transição que muitos artistas ficam no meio do caminho.

BeC: E como é preciso agir para não ficar no meio do caminho?

A. A.: Você tem que ter muita força, contato, oportunidade. Tem que estar no lugar certo, na hora certa e muita vocação. Eu costumo dizer para os meus alunos que mais do que talento, a gente tem que ter vocação. Porque talento, você burila, melhora, aperfeiçoa, mas se não tiver vocação... Vocação é uma coisa concreta. Não tem gente que quer ser médico e não consegue ver sangue? Então essa pessoa não tem vocação.

Para ser ator tem que ter uma vocação. Você tem que saber como é se posicionar, pontuar, saber que é uma carreira extremamente difícil, mas não impossível, e tem que saber que tipo de ator que você quer ser. Porque a gente fala ator: ator de televisão, mas ser ator não é só estar na televisão.

Denise Stoklos é uma atriz de primeira grandeza, mas é um tipo de atriz. Fernanda Montenegro é outro tipo de atriz.

Você tem um ator de televisão, você pode ter um ator que seja multimídia, que faça tudo, mas tem que escolher a carreira, tem que saber a direção da sua carreira. Enfim, enquanto você está na escola, fica com todas essas coisas na cabeça.

Quando eu estava terminando a Cal, no início da década de 90, fui assistir o espetáculo, de uma companhia estrangeira. Na verdade, era uma companhia brasileira residente na Europa. Então fiz alguns comentários sobre essa companhia, conheci o elenco, o diretor da companhia, que era o primeiro ator da companhia também, travamos um conhecimento.

Fizemos relações de trabalho, eu li um texto que eles iriam montar no futuro e opinei.

Eles estavam em temporada no Rio, mas são de São Paulo e residentes na Europa, na Galícia. Fiz comentários sobre os textos deles, porque isso me era muito natural, e isso despertou uma curiosidade no grupo. Eles acharam interessantes minhas colocações e por conta disso reescreveram algumas coisas.

Novamente li e opinei, fui arredondando o texto. Enquanto estava envolvido com eles fui a São Paulo três vezes.

No final do outro ano, o grupo estava voltando para a Espanha, e me convidaram para ir com eles.

Eu recusei porque tinha que terminar a Cal, enfim, precisava terminar esse ciclo, esse processo. Só que quando chegou no finalzinho da Cal, nós tínhamos terminado uma montagem, eu queria fazê-la, mas recebi um telefonema deles falando que estavam montando aquele texto, um sucesso, e montando também um terceiro, novo. "Você não estaria a fim de vir para a Espanha trabalhar com a gente, passar um tempo com a companhia, ver como as coisas se dão?".

Fiquei pensando, muito inseguro. Conversei, então com um professor meu da Cal, que era muito querido - ele morreu - era o Marco Antônio Palmeira. Ele me aconselhou: "Antonio, você não tem que pensar, uma montagem é uma montagem, você vai conseguir um trabalho profissional e, além do mais, é Espanha. Se não fizer bem artisticamente, vai fazer bem humanamente, porque vai ampliar seus horizontes, vai poder viver, vai conhecer uma outra rotina de trabalho, uma outra cultura. Isso só vai fazer bem para o seu ator, se quiser vir a ser diretor. Ainda falou brincando que se eu me sentisse deprimido e solitário, poderia ligar para ele a cobrar que ele atenderia, conversaria cinco minutos comigo, para que depois eu voltasse à vida. Ele me deu muita força, é muito querido.

Então falei para a turma da Cal que não ia fazer essa montagem porque estava indo para a Espanha. Quinze dias depois estava eu pousando lá.

Fiquei um ano e meio na Europa. Nesse tempo, eu trabalhei com a companhia, mas não como ator. Fiz a dramaturgia, porque, na verdade, no meio dessas histórias todas, eu tirei um tempo para estudar. Comecei a conhecer grupos novos lá na Europa, novas técnicas, pesquisas de outros grupos que eram bem fundamentados, comecei a fazer um tour por essas companhias, para me aprimorar.

A escola funciona levantando questões que você vai discutir ao longo da sua vida, e eu tinha umas questões que a Cal tinha me proposto que tinham me instigado para pesquisar, fui atrás delas porque tive a oportunidade de estar com as pessoas que poderiam me dar algumas respostas.

No período que estava na Cal, trabalhei com dois professores que considero meus dois mestres. Uma foi a Marilena Bibas, que tem um trabalho em cima do Barba, e do Grotovsky. Fui integrante do grupo dela durante pouco mais de dois anos, onde aprendi muita coisa, e onde pude perceber muito sobre a fisiologia do ator, trabalho de posição e trabalho corporal, para mais tarde se apropriar ao meu trabalho.

Meu outro mestre foi o professor Antônio Mercado. Eu não tenho nem como dizer a importância dele na minha vida. O máximo que eu posso dizer é que talvez ele tenha me ensinado a poetizar a profissão, tenha me mostrado o valor da vocação.

Mas às vezes você olha um e diz: Esse tem a maldição! Porque não depende muito da função, se ele está sendo ator ou diretor, se ele está sendo iluminador ou figurinista ou se ele está lavando o chão do palco; ele tem a maldição do teatro.

A gente brincava muito de dizer que às vezes você olha um ator, e ele é só um ator; um diretor é só um diretor; um iluminador é só um iluminador. Mas às vezes você olha um e diz: Esse tem a maldição! Porque não depende muito da função, se ele está sendo ator ou diretor, se ele está sendo iluminador ou figurinista ou se ele está lavando o chão do palco; ele tem a maldição do teatro.

Essa maldição é muito bem vinda, é como se fosse uma marca, e quando a gente fala em marca, está falando da família do teatro, uma coisa que passa de geração para geração, relação de mestre e discípulo, que é eterna. O teatro, tem essa longevidade toda em sua história, porque houve muitos malditos, ou seja, muitos marcados, que carregaram, às vezes só oralmente, a tradição teatral.

Acho que ele me ensinou a lidar com essa maldição, ele me vocacionou ao teatro. Não estou falando da formação intelectual, nem da formação profissional, que isso tudo é sem nome, não tem como denominar. Então eu divido a minha vida assim, entre esses dois mestres.

Então estava na Espanha. Fiz meu trabalho nessa companhia e foi bacana, fiquei seis meses nela, viajando para cima e para baixo.

Depois saí da companhia e passei quase um ano viajando sozinho, às vezes com amigos, com a minha mochila nas costas. Então, descobri o que é ser brasileiro, o que é ser latino americano. A gente descobre o nosso referencial. Isso foi importante na minha formação como pessoa, e obviamente como um candidato a artista, como um aspirante.

Nesse ano em que eu fiquei viajando, já tinha terminado meu trabalho com a companhia e comecei a trabalhar com outros grupos. Grupos italianos - biologia musical.

Peguei algumas companhias de vanguarda, que estavam com propostas arrojadas, e então fui assistir "Fúria del Baos", na Espanha, de uma companhia moderna. Tinha todo um trabalho físico, com muitas pessoas, e fui ver o que estava acontecendo, quais eram as tendências. Era um grupo de teatro muito grande, muito famoso. Então fui conhecendo, fiz workshop, conheci novas técnicas para praticar.

É muito importante perceber como a gente precisa de informações, de coletar dados para que a gente possa pensar em encher a vida de informações e de vivências para que você possa depois desenrolar cada nozinho; esse é o nosso papel.

Quando eu estava em Lisboa, dei aula numa escola importante lá, que se chama Chapito. Tive a oportunidade de conhecer atores de muitas nacionalidades. Tinha alunos africanos, espanhóis, alemães, franceses, portugueses, brasileiros, então pude entender o que cada país desse produzia, como produzia, quais eram as referências. Teve um grande workshop lá, que foi super importante, em que eu pude avançar muito, e começar a desenvolver alguns pontos da minha pesquisa, como ser ator e como ser diretor de ator.

Ainda em Lisboa, recebi um telefonema desse meu mestre, Antônio Mercado, que estava montando uma companhia estável de repertório, junto à Universidade Federal de Urbelândia. Era um projeto antigo, do qual ele já tinha falado muito comigo, tinha me cantado muito, então me fez o convite. Ele falou que se eu quisesse participar teria um espaço: "eu adoraria se você estivesse aqui, só que tem que chegar em um mês".

Fiquei uma noite sem dormir, pensando na proposta. No dia seguinte eu falei: "tudo bem, quarenta e cinco dias". Larguei tudo e voltei para cá. Fiquei um ano em Uberlândia. Montamos e centralizamos. Fizemos a nossa parte de tirar a produção cultural do eixo Rio/São Paulo, fizemos uma linda peça lá, em Brasília.

Nesse meio tempo, eu me pós-graduei em linguagem teatral, na Fundação Brasileira de Teatro.

Quando terminou esse processo todo, achei que estava na hora de eu começar a tomar o rumo das minhas coisas. Eu sou carioca, e tinha que voltar para o Rio.

Voltei então para o Rio. Eu sempre entendi que uma forma de fazer bom teatro era tendo uma companhia, e essa idéia sempre me perseguiu. Eu fui muito inspirado nisso pelas antigas companhias e pelo Antunes Filho, porque a trajetória dele me acompanha como filosofia, de uma certa forma, embora eu nunca tenha trabalhado com ele. Para mim ele é uma grande referência.

Depois eu fui dar um workshop no Festival Internacional de Blumenau, para o pessoal universitário, vim para o Rio, e decidi fazer mestrado. Fiz prova para mestrado na Uni Rio, passei e comecei a estudar lá.

E entendi também que o mercado tem uma urgência. Cada vez ele precisa de gente mais jovem, e que, tirando os talentos naturais - que não brotam a toda hora - tinha que se ter uma fórmula, um meio de abordagem, que num curto tempo pudesse dar alguns instrumentos para que os atores melhorassem o desempenho deles na televisão.

Nesse meio tempo, eu resolvi fazer uma pesquisa em televisão, porque comecei a me preocupar com qualidade. Eu me perguntava porque como atores tão jovens podiam estar tão sobrecarregados, protagonizando novelas, se não tinham tido tempo de formação. Então, parti da premissa que isso era muito ingênuo. Você falava assim: "O cara é mau ator, ou o cara é bom ator". E entendi também que o mercado tem uma urgência. Cada vez ele precisa de gente mais jovem, e que, tirando os talentos naturais - que não brotam a toda hora - tinha que se ter uma fórmula, um meio de abordagem, que num curto tempo pudesse dar alguns instrumentos para que os atores melhorassem o desempenho deles na televisão.

Então, pensando assim, modestamente, comecei a pegar tudo o que eu tinha visto, pensado, lido, vivido e observado para transformar em metodologia. Um procedimento lógico. E isso foi emplacando, foi dando certo, o mercado estava carente, e eu cada vez ficando mais requisitado.

BeC: Você já tinha um lugar para exercer isso?

A. A.: Eu tinha duas sócias, e nós montamos uma escola, que começou na Rua Sorocaba, e depois foi para Laranjeiras. Durou três anos.

Eu senti que era a hora de voltar ao meu sonho original de montar essa companhia, que seria uma Companhia Escola de Teatro. Eu chamo assim, porque em vez de trabalharmos corpo, voz, canto, etc., escolhemos um texto e fazemos isso tudo em torno dele; depois apresentamos o texto. É sempre o mesmo grupo, porque é um processo de formação, vai melhorando cada vez mais, sempre através de espetáculos, como antigamente era feito, de certa forma.

BeC: E como era isso?

A. A.: Existiam as companhias e, por exemplo, se eu quisesse ser um ator, eu entrava na companhia e começava dando ponto para os atores dela. Aí um dia eu pegava o papel, entrava em cena e falava: "Senhor, o jornal".

O ator em formação estava vendo grandes estrelas trabalhando, vendo atores fazendo todo o processo de criação, tudo como era, e ia aprendendo, participando de tudo, dos fundamentos, das propostas.

Então você ia se formando já na carreira, do seu tamanho. Um dia, seu personagem aumentava e na outra peça tinha outro personagem. De repente você protagonizava uma peça. Tem que ter sempre muito contato, não só com a idéia, mas com o fazer teatral, que é uma grande cisão entre pensar teatro, e fazer teatro.

Ao fazer teatro você lida com a concretude, com as dificuldades e isso às vezes não é como você sonhou, não é nada glamouroso, é trabalho suado, braçal, mas é aí que você adquire a vocação. É quando você começa a se preocupar com a rotunda, a se preocupar se o tapete que está em cena estava preso certinho, porque alguém pode levar um tombo e acabar com o espetáculo.

Depois de três anos desse trabalho, eu rompi a sociedade.

BeC: A sociedade deu certo ou você estava insatisfeito?

A. A.: Deu muito certo do ponto de vista mercadológico, mas não estava satisfazendo sob o ponto de vista artístico. Como era uma sociedade de três pessoas, tínhamos que ouvir os três lados, e eu achava que a qualidade artística não estava crescendo como eu queria. Eu idealizava um espaço com característica artesanal para poder criar artistas, e com a sociedade o espaço estava muito industrial e mercadológico.

 A Companhia Escola de Teatro, é o meu projeto de vida. E é quase como se fosse um filho.

Nesse momento, eu comecei a montar a minha Companhia Escola de Teatro, e isso foi determinando uma série de coisas, porque a Companhia Escola de Teatro, é o meu projeto de vida. E é quase como se fosse um filho.

Eu comecei a perceber que dentro daquele espaço, ela não vingaria, poderia ser abortada. E aí, com conversas, definindo posições, desfizemos a sociedade e decidi trabalhar definitivamente com a companhia escola.

Essa companhia gerou um espetáculo no ano passado chamado "Êxtase". Foi um processo de pesquisa de dois anos, onde tinha uma Julieta de quinze anos; e quando você pensa em fazer Sheakespeare, é sempre um desafio. Sabíamos de todos os riscos e ainda tinha uma adolescente fazendo a Julieta.

Fiquei muito feliz com o resultado. Na verdade, a nossa preocupação é com a formação, eu não sou um diretor que está no mercado para mostrar serviço, para mostrar o quão maravilhosa é sua direção, a minha preocupação fundamental é a formação de atores, e é isso que difere, talvez, um jovem diretor.

O meu trabalho está intimamente ligado ao ator, eu tenho paixão pela profissão de ator.

BeC: Quando você montou a sua companhia, já havia um grupo formado?

A. A: Já. Eu estava em processo de pesquisa, peguei meus alunos que estavam em formação de interpretação em vídeo, que foram se identificando com as minhas propostas. Eram trinta e poucos alunos muito jovens que estavam sendo alfabetizados e preparados por mim para o teatro, e fiz uma proposta de pesquisa, ideológica.

Eu peguei a Marcelinha que hoje tem 18 anos e é minha aluna desde os 12, o Péricles que era meu aluno com 5 anos, e hoje ele está com 11 anos e faz participações na companhia, ele é muito bom. Estava sempre trabalhando com eles textos clássicos. O Péricles, por exemplo foi o pai do Romeu, era um sucesso e as pessoas adoravam. Fiquei um ano mergulhado nessa pesquisa, trabalhando nisso.

Depois dirigi um espetáculo para o grupo da Tapias, era um espetáculo de teatro/dança, um texto do Federico Garcia Lorca, que foi uma experiência muito legal.

BeC.: Foi o seu primeiro trabalho com dança?

A. A.: Em Portugal, com a Marilena, eu trabalhava muito com movimento, então, já tinha uma linguagem e um vocabulário nesse sentido.

Mas colocar isso e trabalhar com bailarinos, que não eram atores, dando para eles todo o instrumental de ator, foi uma experiência, a título de pesquisa muito interessante. A gente conhece alguns bailarinos que mudam em cena, que se transformam em outra coisa, porque é preciso abrir mão da plasticidade da dança para poder chegar à dramaticidade a serviço da obra do autor e da proposta do espetáculo.

Então a gente tinha movimentos lindos, os bailarinos falavam, tinha muito texto para eles; foi muito legal.

Logo depois a gente estreou o "Êxtase", no Movimento Cultural da Caixa, e de lá para cá estamos preparando um espetáculo.

Os nossos processos na companhia escola são longos. Duram um ano, um ano e meio. No momento que achamos que está legal, vamos para a rua e colocamos. Não temos urgência de ficar estreando a toda hora.

No meio disso, dirigi, a convite, um espetáculo em Goiânia. Faço uma coisa ou outra nesse sentido, mas com outro grupo, e são coisas de curto espaço de tempo.

Eu viajo muito pelo Brasil. Passam pela minha mão uma média de seiscentos, setecentos atores por ano, que eu conheço, mas não só no Rio. Eu conheço muitos atores. Se me perguntam: "Você esteve em tal cidade?" "Estive". "Você sabe onde tem um ator bom?" "Sei" e cito alguns que eu conheço e acho que se adapta ao que estão me pedindo.

BeC.: Em que cidade, fora Rio/São Paulo tem mais gente querendo ser ator?

A. A.: Em todo o Brasil tem gente querendo ser ator. Em um grupo de quinze pessoas, tem uma querendo ser ator.

A primeira coisa que eu digo é que no Rio e em São Paulo tem um monte de gente talentosa desempregada. Comecem a arrumar a vida de vocês aqui; primeiro tenham um trabalho, depois mostrem esse trabalho.

Não dá para você sair do pequeno e ir para o grande, tem que se destacar no pequeno. A não ser que você tenha sorte. Mas você pode ter sorte andando na rua, encontrar um bilhete e ganhar na loto; é nessa proporção. É preciso trabalho, vocação; dia a dia, todos os dias, roendo a medula. É um hábito de resistência, cada função como um hábito de resistência.

Um dia dá certo. Tem é que sair desse mercado de urgência mercadológica, porque ela acaba gerando uma mediocridade muito grande, acaba gerando um compromisso com o sucesso.

O que é sucesso? Sucesso é a Fernanda ser indicada para o Oscar, ou é a bunda da Carla Perez?

Que tipo de sucesso? O que é sucesso? Sucesso é a Fernanda ser indicada para o Oscar, ou é a bunda da Carla Perez? Os dois são sucesso. Que tipo de sucesso você quer na sua vida? Eu quero ser Fernanda, enfim, não sei se vou chegar um dia ao Oscar, acho que não. E eu acho que não interessa, porque se você se dedica ao seu ofício, isso é conseqüencia. Eu não posso consignar a minha função de diretor, de formar ator, de fazedor de teatro, a um sucesso, porque ele pode não vir, e aí eu vou ser uma pessoa muito triste.

Eu tenho que tirar o prazer no momento em que estou fazendo. Por isso que eu digo: "day by day". Lógico que tem momentos que a gente fica super triste, fala assim: "Poxa, estou tão cansado!" – então você fala: – "Tá, então dorme bem, coloca uma música e levanta amanhã com gás novo, eu acredito que tudo pode melhorar".

Tem que ser ator. Ator é no dia a dia, todo dia. Tem que se compreender o ator, porque ator atua o que o move, se ele perde isso, fica uma pessoa ao avesso, desinteressante, sem nada para dizer. Então, a gente tem que entender; todo mundo tem uma dor e a gente vence essa dor realizando coisas, transformando isso em beleza, numa coisa útil para a sociedade.

Eu fui assistir um espetáculo do Luiz Fernando Lobo, "Companheiros", que é um ato e eu não conseguia nem falar para ele o que eu achava, porque o que ele colocava no palco era tão devastador, era um movimento dos sem terra, dos companheiros que se perderam no meio do caminho, revolução, Latino América. Era mostrada uma condição de bobo mesmo, e eu virei para ele e falei assim: – "Luiz, eu não tenho como dizer que o seu espetáculo é lindo, porque na verdade aquilo é hediondo, mas eu só tenho que dizer o seguinte": – "Cara, como eu te admiro, como você está cumprindo bem o seu papel de artista!".

O nome do espetáculo é "Companheiros", foi apresentado no teatro Gláucio Rocha. É uma porrada na boca do estômago, faz com que a gente se sinta um cretino, nas nossas questões. Eu fui com um amigo meu que é o Ricardo Resende e é uma figura pública de uma honestidade e uma relevância muito grandes, e ele é um desses companheiros. Foi muito impactante assistir o espetáculo ao lado de um companheiro. O filho do Betinho montava o espetáculo, o Daniel, a Tuca, tem uma galera lá que está ralando há algum tempo, que é legal a gente conferir.

Voltando a minha formação, no mestrado, eu tive contato com a professora Bárbara Eliodora, que é crítica e uma magnífica professora que me aproximou muito de Sheakspeare. Por mais que ela seja temida pelas pessoas, é uma mulher que tem sua idade, uma senhora, e quando ela está falando sobre teatro, o olho dela brilha, ela chega as lágrimas, ela se emociona, então ela é um ser vivo, é uma mulher de teatro e isso quebra essa assepsia que a gente está vivendo nesses anos noventa. Essas coisas politicamente corretas, tudo afetadinho, milimetricamente pensado, sem correção porque eu não posso perder, não posso errar. Então essa professora foi muito importante. Eu tive a oportunidade de ser assistente dela numa leitura dramática, de Hamlet, onde pude aprender muitas coisas que me eram obscuras. O contato com ela me sensibilizou demais.

Eu acredito muito em mestres. Parece uma coisa antiga, mas eu acredito. Então eu sempre saio à rua procurando os mestres, pensando nessa relação de discípulo.

Eu acredito muito em mestres. Parece uma coisa antiga, mas eu acredito. Então eu sempre saio à rua procurando os mestres, pensando nessa relação de discípulo. Eu acho que acabo propondo um pouco isso para os meus alunos, porque eles acabam tendo também uma relação de discípulos. Eu tenho trinta e três anos, portanto sou um jovem homem, e essa responsabilidade às vezes me assusta um pouco.

Mesmo trabalhando com vídeo, com televisão. Eu, que sou a garagem da televisão. O trabalho que a gente faz aqui é voltado para ela; ele parte de um respeito ao trabalho do ator, então, eu os trato como atores, e já pego a linguagem expressiva.

BeC.: A Escola se propõe a isso?

A. A.: É. A escola é de interpretação para vídeo, TV e cinema; e a minha companhia é escola de teatro. Só que a Companhia Escola de Teatro, é um grupo fechado, em que só se ingressa a convite. Eu convido algumas pessoas quando as quero e ninguém paga nada, não tem a menor relação com o dinheiro, é sem fins lucrativos, só com pesquisa e formação.

A escola de vídeo é na verdade uma fatia do meu trabalho, que é aberto a isso. Eu fiquei durante muito tempo sem dar aula de vídeo, porque estava nessa pesquisa de que estava falando, e de um ano para cá, eu ficava só no mestrado, viajando e trabalhando com a companhia.

No início desse ano teve uma procura absurda. Para você ter uma idéia, as pessoas não sabiam onde eu estava, não me encontravam, eu tinha tido muitos alunos nesse outro espaço.

E resolvi, já que eu estou sendo tão procurado, começar com uma turma. Vou começar do meu jeito, sem pressão mercadológica. Que venham quem quiser aprender, não quem queira fazer sucesso, porque sucesso é consequência.

Agora é uma loucura, a gente está com sete turmas, tem aula todo dia. São divididas em módulos um, dois e três. O módulo primeiro é o básico, depois vem o intermediário e o avançado, que é onde a gente trabalha os fundamentos de televisão, mexe com as trajetórias, a gente assiste aulas de estética, tem todo o treinamento, que é direcionado para o vídeo, trabalha com literatura, enfim, tem um trabalho bem especializado em televisão dentro daquilo em que eu me proponho.

Por isso que eu me interessei muito em conhecer e entrar em contato com o Mauro Alencar, porque ele deve ter um material que deve ser interessante, porque na verdade, quando você fala em ator e televisão, a gente tem depoimento, mas não tem muito.

Na minha dissertação em mestrado, estou quase pensando em fazer isso. Fazer uma dissertação em cima de um trabalho voltado para interpretação. Mas tenho uma dúvida: se faço isso em teatro ou se faço um link, um material mais bombástico em caso de fazer um trabalho de televisão, em discutir o ator de televisão. Reconhecer que existe, já ao largo desse tempo todo, a televisão com uma interpretação específica. Uma especifidade do trabalho do ator em televisão. Eu estou pensando seriamente em adequar, puxar isso e fazer a pesquisa por aí.

Eu costumo dizer:
– "Olha gente, aqui é a garagem, eu sou o professor. Eu não dou emprego para ninguém, não sou trampolim para nada" – então, quer aprender, vem para cá.

Quanto à escola, a gente tem uma atração super boa porque isso aqui é um "open house", e eu costumo dizer: – "Olha gente, aqui é a garagem, eu sou o professor. Eu não dou emprego para ninguém, não sou trampolim para nada" – então, quer aprender, vem para cá que eu tenho uma equipe, hoje, extremamente ética.

Essa equipe é composta pela Maria Natale, minha assistente, Andréa Bacelar, atriz, Roumer Cañaes, meu irmão. Eles trabalham aqui, e os alunos tem aqui um espaço, vamos dizer assim, que os deixa extremamente à vontade de chegar, sentar, discutir a carreira deles, aprender. Obviamente eles chegam aqui para aprender, então fica até parecendo um clima de teatro. Não parece muito de televisão, porque todo mundo tem uma liberdade muito grande, aqui a gente propõe que percam o medo de errar, aqui eles não estão sob pressão. É uma grande família, os alunos são muito próximos, a gente tem uma relação muito artesanal, e uma das coisas que eu não quero abrir mão nunca é desse caráter artesanal.

Porque é assim: eu só posso ter um número de alunos, para que eu possa dar conta, chamar todos pelo nome. Quando isso se perder, será um termômetro de que alguma coisa está indo errada.

Essa é a minha proposta de vida. Então eu tenho um teto de alunos que não passa disso. É o número de pessoas com o qual posso interagir; mais do que isso, vira pastelaria, e eu não compactuo.

Aqui a gente tem esse compromisso. Compromisso com estudo, com pesquisa, com a condição de ator, com a profissão. Com a formação ética, moral. Tem que ter integridade, então a gente preza muito isso aqui, e é muito bacana mesmo.

Eu adoro esse buraco. Veja que você passa pelo mural e tem fotos de todo mundo, parece uma carta memória, cheia de lembranças. Tudo a gente tem foto. De repente um vai, faz novela, protagoniza, aí volta. Eles sentem necessidade de voltar, estudar um pouco mais, talvez porque vão pegar um personagem barra pesada agora. Claro, a gente dá uma força. Continua com essa idéia de que o ator pode voltar a estudar.

Isso é uma coisa que parece que depois que você faz um trabalho profissional, não pode mais estudar. Mentira, aqui a gente tem um espaço que é para isso. Qualquer ator tem que estar sempre em exercício, independente se ele é galã de uma novela, ou se ele é um ator começando. Então eles falam assim: – "Estou louco para colocar a roupa preta". O que é colocar roupa preta?

Na minha companhia a gente só ensaia de roupa preta, que é uma forma de uniformizar o ator, e é uma forma que eu encontrei de dar unidade de grupo, portanto é muito poético colocar roupa preta, tudo muito simbólico, ritualístico. Colocar roupa preta para eles é muito orgulho. É como se estivessem dizendo: – "Agora sou operário da minha função, e eu, como um operário, vou trabalhar aquilo que o mestre quer". Então, os meus alunos saem para fazer um trabalho e voltam loucos para colocar roupa preta, que é o mesmo que voltar lá para no último da fila, começar o treinamento, retomar o treinamento, retomar todo o processo, e isso é muito gratificante, e é isso que eu falo que às vezes me dá aquela responsabilidade exigente de mestre.

B.C.: Quando entra um aluno novo aqui, mesmo que ele já tenha uma formação tem que entrar no primeiro módulo ou pode ir para um mais adiantado?

A. A.: Aqui sempre tem que entrar no módulo um, porque estamos falando de treinamento, então, às vezes ele pode ser um puta ator mas ainda não pegou o treinamento. Por exemplo, tem o módulo um e o módulo dois, porque é uma turma de adolescentes e aqui o número de alunos é menor. Eu só trabalho com turmas pequenas porque é um trabalho individual, muito personalizado. O ator aqui no CPC, "Centro de Pesquisa e Experimentação Cênica" é muito personalizado – é corpo a corpo com o ator, por isso as turmas têm que ser muito pequenas, senão a gente perde essa qualidade.

Temos sempre workshops em julho, um grande nesse mês, e um maior ainda em janeiro, que vem gente do país inteiro. Eu faço esses workshops porque tem alunos que vêm de Manaus, e outros estados.

Agora mesmo estou preparando uma super oficina para fevereiro. É uma oficina de teatro, que vai ser "Um ensaio sobre a loucura". É uma encomenda de um grupo maravilhoso de Manaus, encabeçado pela Shirley que está vindo de Manaus para fazer essa oficina. E estamos trocando material teórico, já estamos nos comunicando.

Terá também um grupo que eu vou dar uma orientada em Goiânia. Acontece muito isso. Por exemplo, tem um grupo de atores que eu vou de tanto em tanto tempo orientar em Goiânia, também tem esse grupo vindo de Manaus para cá, na Bahia, eu tenho também um grupo; é um intercâmbio. Também vou para o Sul, em Londrina, Blumenau.

Mas eu saio sempre por uma semana, nunca mais que isso. Tenho um projeto em que fui  convidado pelo diretor Reinaldo Boury e  Margareth Boury. O Reinaldo Boury é diretor da rede Globo e a Margareth Boury é roteirista da rede Globo. Temos um projeto de centralização da produção do eixo Rio/São Paulo, em teledramaturgia.

Então a gente às vezes sai pelo Brasil dando oficinas que tendem a especializar a mão de obra local para a produção de seus próprios programas. É um projeto fantástico, que sou convidado e está filiado a rede Globo de televisão. Seria o meu mestre em televisão, que tem me ensinado cada vez mais coisas, porque tem uma larga experiência, conhece tudo. As nossas experiências se completam, é muito interessante, é uma belíssima pessoa que me é muito cara.

Minha equipe tem também o Felipe Vasconcelos e o Daniel Negri.

O curso de interpretação para cinema e televisão, turmas novas eu tenho na segunda, na quarta, na quinta e no sábado. O endereço daqui é rua Marquês de Olinda 75, o telefone é 266-6500, Botafogo.

Volta ao alto da página