Entrevista com Cláudia Braga

Cláudia Braga, 33 anos, casada com o diretor publicitário Júlio Braga, é atualmente a Produtora de Elenco do programa "Esta Gente Inocente", da Rede Globo, direção de Wilton Franco, em fase de elaboração. Cláudia está há dez anos no mercado publicitário, onde tem trabalhado com diretores como Carlos Manga, Hector Sápia e Juarez Precioso. Com Hans Donner, o mago das vinhetas da Globo, atuou por vários anos como Produtora de Elenco de um sem número de vinhetas, aberturas de novelas e de programas.
Entrevistada por Paulo Duarte, roteirista do programa "Esta Gente Inocente".

claudia_braga_2.jpg (23052 bytes)Paulo Duarte: Cláudia, o que um ator precisa saber sobre como se apresentar para um produtor de elenco?

Cláudia Braga: O que eu acho importante para um ator entender é o seguinte, ele tem que mandar um material limpo, um material que permita a você conhecer quem ele é. O currículo do ator precisa ser o mais conciso possível, enxuto, não precisa ter nenhum dado de infância, só informações atuais. Colocar a formação dele, escolaridade, mas isso não vai influenciar tanto.

Ninguém perde tempo em ler folhas e folhas de currículo. Não adianta listar muitos espetáculos com todas as informações sobre eles; ninguém vai ler isso. Se fez dez peças, e duas muito boas, cita essas boas, nome do espetáculo, direção e ano, e pronto. Porque um espetáculo bom com um bom diretor, você fez um bom personagem, é o que basta.

Quanto a outras aptidões, como línguas que fala, é sempre interessante constar no currículo, e de uma maneira clara: inglês fluente, espanhol dá para o gasto... Porque às vezes a gente escala para um personagem que vai falar outra língua e se não tem isso no currículo do ator, você já passa batido, procura alguém que tenha.

Aptidões esportivas é sempre bom ter, desde que a pessoa domine muito bem o esporte. Não não é caso de colocar que anda de bicicleta, patins, skate se faz isso como qualquer pessoa faria. Claro que se a pessoa dirige caminhão, pilota helicóptero, voa de pára-pente, tudo isso é interessante. Em alguns casos a gente tem possibilidade de usar dublê, em outros não.

Na televisão é importante citar os trabalhos mais expressivos, não adianta colocar que fez um personagem numa mini-série que apareceu uma vez numa participação de uma fala; não que isso não seja bom para a formação dele de ator, é ótimo. Eu acho que todo ator, ou quem está estudando para ser ator, devia fazer figuração em televisão.

P. D. - Quer dizer que você é a favor de que o ator faça figuração, acabar com essa mentalidade de que isso queima a imagem, que é uma coisa pequena?

C. B. - Com certeza, para ver como funciona a televisão, porque isso você não aprende em faculdade nenhuma. Você aprende a teoria de atuar para a câmera, mas não é a televisão funcionando. Acho que um ator em formação deve fazer figuração para entender a televisão, quase como um estágio. Figuração não queima imagem, Maurício Mattar, Adriana Esteves, Malu Mader, Cláudia Raia, todos fizeram. Existe uma lista infindável de atores famosos que fizeram figuração. A Xuxa fez figuração, você mesmo sabe que ela queria desistir na época e hoje é a Xuxa.

P. D. – A Renata (namorada do entrevistador) quis vir aqui para conhecer, ela já fez várias peças mas nunca viu uma gravação.

C. B. - Ela não teve oportunidade, nenhuma emissora abre aos curiosos para ver uma gravação, até porque atrapalha. Não tem condição, é uma produção, não se pode deixar alguém ver, participar e incomodar nesse ambiente. Acho a figuração muito importante, tem que cair esse estigma de que figuração queima filme.

P. D. – E quanto às fotos e vídeo book?

C. B. - A foto de ator, é tão importante quanto video book. O importante é que a foto retrate exatamente como a pessoa é. Não é necessário que o ator faça milhões de fotos com personagens, caras e bocas, roupas diversas, o que eu preciso saber é quem é aquela pessoa. Como eu vou caracterizá-la depois vai depender da minha equipe de figurino e de maquiagem. Nas fotos eu preciso dela nua e crua. Quanto mais normal for essa foto, melhor. Não pode ser uma 3x4 porque a qualidade da foto 3x4 é muito ruim, mas seria quase uma foto nesse estilo, é a pessoa como ela é. Claro que, se for mulher, vai ter o cuidado de fazer uma maquiagem básica, um batom, tirar uma olheira, alguma marquinha que tenha, o cabelo arrumado. Um homem também pode se maquiar para tirar uma olheira, fotografar bem barbeado, isso é sempre importante.

Se quiser fazer umas duas ou três fotos diferentes, sorrindo, sério, de corpo inteiro, não tem problema, mas tem que ser a pessoa. Quanto menos adereço melhor, nada de chapéu, óculos... Eu chego a receber fotos de ator de óculos escuros, uma única foto, o cara de óculos escuros! É lógico, eu não consigo ver os olhos da pessoa, você não tem como avaliar o olhar. A pessoa pode estar ótima, linda, e quando tirar os óculos ter um olhar de peixe morto, sem expressão.

A foto tem uma importância enorme. Pode ser até uma boa foto caseira.

P. D. – E o vídeo book?

C. B. - É importante mandar um vídeo book, com certeza, porque a gente não tem como avaliar o trabalho de um ator, principalmente um ator em início de carreira, se a gente não puder vê-lo atuando. Se a pessoa tiver alguma coisa, mesmo que caseira, sempre é importante mandar para o produtor de elenco. Uma fita demo nunca pode ter mais de 5 minutos, porque ninguém tem tempo de ver mais de 5 minutos de um vídeo book.

Se a pessoa não tem absolutamente nada, ela pode fazer, um esquete, um monólogo, uma coisa pequena que dê para ver um pouco dela. Se ela já fez muita publicidade mas fez pouca coisa em TV, faz um clipe dessas publicidades, as partes onde ela contracena, não precisa ser o comercial inteiro.

P. D. – Como um ator deve aproveitar um papel para se fazer notar e ser convidado outras vezes?

C. B. - É muito complicado, isso vai muito da intuição do próprio ator, da relação que ele tem com a equipe, da relação que ele vai desenvolver com o diretor. Em obras abertas, como novela, os autores têm condições de escrever para os personagens pequenos, para elenco de apoio desde que aquilo se destaque.

P. D. – Teve o caso do Jamanta, que começou como um papel pequeno e foi destaque da novela.

C. B. - Exatamente, mas ele deu sorte porque o núcleo onde ele estava era muito forte, talvez se ele estivesse em outro núcleo ele não tivesse se destacado tanto. Porque tem casos que não tem condição, tem mil secretárias que tem um gancho para desenvolver e não desenvolvem, e outras desenvolvem horrores. Nem sempre depende da atuação do ator ou da atriz, depende muito da oportunidade também. É a intuição do ator que vai determinar a relação que ele vai ter com a direção, a relação que vai se firmar. Não existe uma fórmula. Se existisse, todo mundo prosseguia na carreira brilhantemente, e tem milhares de atores ótimos que não estão atuantes no mercado.

Veja o que aconteceu, por exemplo, com a Marcela, que foi a Socorro de Anjo Mau. Marcela era uma empregada, como outras tantas das novelas, que ninguém nota, só que o personagem dela além de estar no núcleo central, que era a casa do Cadu, a casa onde a Glorinha foi ser Babá, a personagem dela implicava com a Glorinha o tempo inteiro. Ela era uma ótima atriz e teve uma chance de fazer um personagem que estava no núcleo central

P. D. - Qual era a atriz mesmo?

C. B. - Marcela Rafea, que aliás tem o melhor video book que eu já vi em minha vida. Mas ela tem um material vastíssimo, ela fez muita publicidade boa em São Paulo, para bons clientes, filmes belíssimos, então ela teve material para fazer um ótimo video book.

P. D. - Como é o trabalho de uma produtora de elenco?

C. B. - Normalmente a gente pesquisa muito. Além dessa pesquisa as pessoas do meio costumam saber quem é produtor de elenco na sua cidade e se preocupam em enviar material para nós. O dia a dia do produtor de elenco é muito complicado em matéria de horários. Hoje você pode ter o dia completamente livre, ter essa certeza, mas daqui a quinze minutos te ligam para uma reunião para uma produção de um comercial que vai acontecer daqui a 3 dias e você tem que ter uma reunião de briefing, escalar as pessoas para o teste, fazer o teste, editar, apresentar ao cliente, aprovar, passar para figurino e gravar, em três dias. Tudo acontece sempre muito em cima da hora, por incrível que pareça, visto que as agências de publicidade têm tudo programado desde o início do ano, mas para a produção sempre sobra uma coisa corrida. Por isso, o ideal para qualquer produtor de elenco seria que ele conhecesse o ator ou atriz em questão no momento da entrega do video book, currículo e foto, porque é sempre importante entregar essas três coisas. Nem sempre as pessoas tem esse video book já produzido mas pelo menos uma foto caseira e um currículo é essencial.

Conhecer pessoalmente o ator ou atriz é ótimo, porque você sabe exatamente como ele está fisionomicamente, porque às vezes na foto ele está com o cabelo diferente, engordou ou emagreceu.

P. D. - Então é errado uma senhora trazer o currículo da filha aqui? A filha deveria vir pessoalmente?

C. B. - Exatamente. Mas normalmente os produtores free-lancers não tem esse tempo de receber a pessoa. Porque? Porque a pessoa liga na segunda-feira marcando para ir na terça de manhã encontrar, e na segunda à noite te ligam para uma reunião de briefing, e você não pode deixar um trabalho, onde talvez possa encaixar essa própria pessoa, para recebê-la. Normalmente a gente recebe esse material via correio ou as pessoas entregam nos nossos escritórios, mas a gente tenta o mais rápido possível conhecê-las pessoalmente. Às vezes marcamos um teste informal, quando a pessoa tem as características necessárias para aquele produto que estamos produzindo, com essa informalidade: - OK, você vai comparecer ao teste, vamos ver, se você estiver realmente dentro do briefing, como eu imagino, você já faz o teste, e a gente resolve o problema. Não é o ideal, o ideal seria realmente a gente receber pessoalmente, mas é inviável.

É importante que as pessoas sempre deixem o material com o maior número possível de produtores, porque o mercado é muito aberto, você não pode garantir trabalho para ninguém. Eu vi currículos, fotos e vídeos de pessoas há três anos que eu nunca chamei para absolutamente nada, em compensação tem pessoas que eu acabei de conhecer e por um acaso veio à minha mão um trabalho para aquela pessoa.

P. D. - Mas você busca essas coisas que recebeu há três anos, você lembra que tem esse material?

C. B. – Lembro. Eu tenho um arquivo todo separado por tipos, faixas etárias, capacitações, arquivo de atrizes, de atores, de senhores e senhoras, de modelos que podem fazer trabalhos com alguma atuação dramática.

Muitas vezes você precisa de atores que possam fazer trabalhos mais de modelo, uma publicidade que não tem fala, não tem texto, mas tem uma expressão. É sempre mais interessante você trabalhar com atores. Noventa e cinco por cento do meu trabalho é direcionado para atores. Mesmo quando eu recebo um briefing que pede uma carinha bonitinha sorrindo, eu sempre tento usar uma atriz bonitinha para fazer isso. Por mais que o modelo esteja preparado para publicidade, ele não é um ator por formação e a falta do texto no roteiro às vezes faz com que a coisa fique mais difícil de ser interpretada.

Muita gente não consegue entender isso, eu vejo isso muito claro, acho que com texto - entre aspas – "qualquer um faz", porque o texto te traz o sentimento à tona. Na falta do texto, eu acho muito mais complicado para colocar uma emoção. É óbvio que quando eu falo que "qualquer um faz", é para ressaltar a facilidade que o texto traz, não é que qualquer pessoa que pegue um texto vá representar, muito pelo contrário, mas sem o texto é muito mais difícil. Eu sempre tento direcionar o meu trabalho para atores e atrizes.

P. D. - Como o ator deve se preparar para fazer o teste? O teste é o maior fantasma para os atores.

C. B. - É o maior fantasma, primeiro porque qualquer ser humano, quando ele está sendo posto à prova, está inseguro, por mais que ele tenha consciência da capacitação dele. Quando qualquer garoto ou garota vai fazer vestibular, por mais que tenha estudado e tenha consciência de estar preparado, sempre sente uma certa insegurança.

O que acontece em um teste para atores? O teste é sempre muito precário, a iluminação não é a iluminação exata da cena, não existe o figurino, o cenário, a produção de arte, nada disso. A ambientalização ajuda muito na dramatização, na encenação. Então o que acontece, quando um ator vai fazer um teste com texto, é importante que ele vá com o texto super entendido, mais até do que decorado, porque se ele entendeu o texto, mesmo que ele erre, ele está dando um sentido exato para a coisa. É muito importante.

Figurino para teste é o que menos interessa, quanto mais normal a pessoa for é melhor. Claro que se a gente está fazendo um teste para um comercial de banco e o briefing pede um executivo classe A, é possível que a gente peça que ele vá de terno ao teste, para ver como a pessoa fotografa de terno. Se ele não tem terno, vai com um blazer, uma camisa social. Enfim, se for pedido algum tipo de figurino, é bom que seja seguido, se não idêntico ao que for pedido pelo menos similar, bem próximo, que remeta ao personagem. Mas isso não é o mais importante, o importante é sempre o entendimento do texto, porque se a pessoa errar, não tem problema, ela vai ser aprovada e daqui a dois, três dias, uma semana, quando ela for gravar já teve tempo para decorar. O essencial é ela ter entendido e passar essa credibilidade no teste.

P. D. – É difícil atender a todos os pedidos de ator que você recebe?

C. B. - Uma produtora de elenco tem que ter uma pesquisa anterior ao início de qualquer trabalho, ela tem um arquivo pessoal onde ela tem fotos, currículos e books dos atores e das atrizes. Essa pesquisa não acaba nunca. Eu costumo dizer - "se está vivo eu trabalho" - se nasceu e ainda não morreu pode me mandar material porque é passível de ser usado. Eu só não trabalho com defunto, graças a Deus!

Se nasceu e ainda não morreu tem um campo de trabalho, obviamente a gente sabe que tem um campo maior dentro de algumas faixas etárias, mas não impede que as pessoas de outras faixas mandem material. A gente está sempre pesquisando, porque sempre precisam de coisas inusitadas para uma produção de elenco, claro que para as mais inusitadas a gente costuma precisar de um pouquinho de tempo para que a pesquisa seja feita.

P. D. - Por exemplo?

C. B. - Por exemplo, o nosso programa. Crianças talentosas. Para isso a gente precisa de um certo tempo. Eu tenho um cadastro de anões, eu tenho uns 10 anões, se eu precisar de 100 anões eu tenho que ter um tempo para pesquisar, porque anão não nasce em árvore, por incrível que pareça, não nasce em árvore nem você acha no jardim à noite,

Então para certas coisas você tem que ter um tempo para pesquisar, porque são atípicas, mas o ideal é que você já tenha esse acesso pronto, você já tenha tudo arquivado.

E como é o trabalho de um produtor de elenco em publicidade? A agência tem um cliente, ela cria peças publicitárias para esse ele. Ela passa a produção da peça para uma produtora. Essa produtora vai armar uma equipe. Dentro dessa equipe tem a produtora de elenco, diretor, diretor de fotografia, diretor de arte, cenógrafo, figurinista, maquiador, todo mundo. Essas pessoas estão integradas à produção, contratadas pela produção. Você normalmente comparece a reuniões de briefing na agência de publicidade com o diretor, a maquiagem, o figurino, dependendo do peso de cada filme mais profissionais são envolvidos nesse primeiro momento ou não.

Passado esse briefing você faz uma pesquisa nos teus arquivos ou fora deles, conforme a necessidade do produto, apresenta essa pesquisa para o diretor, o diretor dá uma direcionada melhor dentro do que ele quer, fala –"esse aqui está bom, esse outro não é bem o que eu pensei, vamos por esse caminho". A gente marca um teste de elenco, faz o teste em vídeo, o teste é editado com os melhores resultados, você vê quem saiu melhor, quem se adaptou melhor aos personagens. O teste é apresentado ao diretor, à agência de publicidade e, em alguns casos, ao cliente e, no consenso geral, chega-se aos aprovados. Obviamente, nesse consenso o maior peso é o do cliente, quando ele participa. Quem paga, escolhe. Nem sempre a gente assina com o elenco que a gente acha ideal. Não existe nenhum lugar do mundo onde o produtor de elenco banque isso de uma maneira efetiva, - "OK, escolhi, são esses que vão fazer" - sempre tem que haver um consenso, pelo menos com o diretor. Cada caso é diferente, mas o produtor de elenco tem um peso muito grande, porque ele conhece profundamente o trabalho dos atores, então ele pode defendê-los de uma maneira muito mais precisa.

P. D. - O diretor não tem tempo, não é, de conhecer os atores tão bem.

C. B. - Exatamente. Às vezes você já fez outros trabalhos com aquela pessoa, conhece muito melhor o desenvolvimento do trabalho, o diretor não conhece, a pessoa fez um teste razoável, mas a gente sabe o que ele pode render. Isso acontece muito, como acontece da gente aprovar um elenco que a gente discorda. Fiz um filme institucional recentemente, a gente fez teste com muitos atores ótimos e um ator que era razoável, mas não o ideal, foi aprovado simplesmente pelo perfil fisionômico dele, eles não levaram muito em conta a interpretação. Tinha outros muito melhores.