Gustavo Gasparani

Gustavo Gasparani, ator, diretor e cantor, com formação em dança. Iniciou a carreira aos quinze anos. Fez cursos de especialização em teatro, inclusive CAL e Tablado. Estudou canto com Vera do Canto Mello e Vitor Prochet. Cursou dez anos de ballet clássico com Jean Marie Drubüll e Eugênia Fedorova. Estudou cinco anos técnicas vocais com Marly Santoro de Brito, Ana Frota e Márcia Tanuri. Iniciou-se em mímica através de Lina do Carmo e aprende "Técnica de Alexander" com Laura Mariani. De 82 para cá participou de trinta espetáculos teatrais. Teve leve passagem pela TV, na mini série "Anos Rebeldes" de Gilberto Braga, alguns episódios de "Você Decide", e na novela "Lua Cheia de Amor".  No cinema filmou "Orfeu", de Cacá Diegues e "O Xangô de Baker Street", de Miguel Faria. Trabalhou com profissionais como: Amir Haddad, Miguel Falabella, Mauro Rasi, Rubens Corrêa, Sérgio Britto, Flávio Marinho, Maria Clara Machado, Dênis Carvalho, Zé Celso Martinez Corrêa, Jorge Fernando, Pedro Cardoso,Luis Fernando Guimarães, entre outros. Em 1989, fundou a "Cia dos Atores", dirigida por Enrique Diaz, realizando os seguintes espetáculos: "A BAO A QU", criação coletiva, "Só Eles O Sabem" "Melodrama", "Cobaias de Satã". Nesses dez anos de existência, a Cia dos Atores "viajou pelo país participando de vários festivais recebendo quinze prêmios (Shell, APCA, Molière e Mambembe) e inúmeras indicações, com reconhecimento de público e crítica.

Entrevistado por Adriana Mello.

Brasil em Cena: O que o motivou a ser ator?

Gustavo Gasparani: Desde pequenininho minha avó me levava ao teatro - mas eu não sei o que veio primeiro, o ovo ou a galinha - não sei se ela me levava ao teatro antes dos três anos ou se no colégio que eu entrei aos três anos eu comecei a fazer teatro. Esse colégio se chamava Saradócio, e eu tinha uma professora de teatro chamada Sueli - que vai assistir minhas peças até hoje - e através dela eu tive contato com o teatro e adorei. Desde esse tempo eu fiquei fazendo teatro sempre; no colégio e em casa com os amigos do colégio. Dessas pessoas que faziam teatro comigo naquele tempo duas são atrizes. Uma faz parte do meu grupo, a Bel Garcia, e a Patrícia Lindermeyer. A Mônica Robozinsk também fazia parte da turma e hoje em dia é cineasta. Nesse colégio onde tinha uma turma de dezenove pessoas, quatro são profissionais de teatro; com certeza por causa da professora. Na quarta série, eu ajudei a dona Sueli a montar "Os Saltimbancos" no Canecão, com ela dirigindo. Quando saí desse colégio fui estudar no Andrews, mas não tinha teatro. Então fiquei da quinta à oitava série sem ele, o que me deu um desgosto profundo. Nessa época eu gostava de ir para a fazenda dos meus primos em São Paulo. Passava as férias lá até os meus quatorze anos, e tinha uma ligação muito forte com bichos. Por isso eu tinha dúvidas se queria ser veterinário ou ator. No científico o Miguel Falabella começou a dar aulas de teatro no Andrews. Foi então que tomei muita coragem, e morrendo de vergonha entrei para o curso dele dois meses depois de começadas as aulas, com alguma noção pela bagagem teatral que eu carregava. Nesse tempo eu tive toxoplasmose que é uma doença em que não se pode ter contato com animais, então não pude ir para a fazenda, o que me deixou sem contato com esse universo - dos bichos - durante um ano. No final desse ano montamos a peça "Rock Horror Show", com o Falabella e um monte de gente famosa. Quando me recuperei totalmente, em 1983, voltei a ir para a fazenda, mas minha avó morreu e eu fiquei apenas uma semana lá. Então fiz uma nova peça e vi que estava gostando mais de fazer teatro do que lidar com os animais. E fiquei direto no teatro.

BeC: Como foi o início dessa profissão?

G. G.: Eu me considero ator a partir de 1982 quando fiz a peça do Andrews, mesmo sendo amadora. Depois da peça do Andrews, me chamaram para fazer um infantil já "profissional", em carreira que não era no Andrews. Fomos eu e outros atores do Andrews. A peça chamava "O Baú da Inspiração Perdida". Mas a que eu considero realmente a primeira peça profissional foi a do Andrews porque era infinitamente superior. Era uma turma talentosa, dirigida pelo Falabella. Ele pegava pessoas realmente talentosas; eu, que dou aula há dez anos sei que tem turmas e turmas e aquela era especial. Tinha a Bel Garcia, o Marcelo Olinto que também faz parte do meu grupo, a Marisa Monte, a Theresa Pifer, Edgard Amorim, Felipe Martins, Flávia Weierosk, Cristiane de Ataíde, Michel Bercovitch, Theresa Seiblitz, Letícia Monte, e tantas pessoas mais, que estou esquecendo. Hoje muitos deles se tornaram bailarinos,artistas plásticos, figurinistas.

BeC: E a Cia dos Atores, como surgiu?

G. G.: Isso oito anos depois. No Andrews, a Bel, Olinto e eu trabalhávamos juntos. Conheci a Drica Moraes através deles, porque ela também estudava no Andrews mas é mais nova, através deles também conheci o Enrique Diaz, diretor da Cia, mas ninguém pensava em fazer a Cia naquele tempo . Eu tinha quinze anos. Por conta do infantil que eu fiz, entrei no Tablado para fazer uma peça. A partir daí a gente começou a trabalhar. Todo mundo trabalhava junto, com direção de alguém e projeto dos outros. Depois surgiu um desejo de montar um grupo, e o Enrique tinha vontade de dirigir.

BeC: Quem escolheu o grupo?

G. G.: Na verdade todo mundo fez umas aulas juntos numa época. Existia um lugar chamado "Casa de Ensaio", que o pessoal do Tablado e da CAL fazia umas performances sem direção nem nada. A gente queria trabalhar, fazer peças. O Kiki ( Enrique Diaz) dirigiu a Bel Kutner, o André, oMarcelo Olinto e a Suzana Ribeiro para uma outra peça. A partir daí o Kiki viu que queria ser diretor mesmo, colocou isso na cabeça e começamos a nos juntar para fazer a primeira peça que tinha todo mundo que está até hoje. A peça chamava "A BAO A QU", é um conto do Jorge Luis Borges. Então começamos a desenvolver esse trabalho de grupo. Tinha duas pessoas que hoje em dia já não fazem parte - são próximas, mas não fazem parte do núcleo; é a Ana Cotrin e o André - de vez em quando eles se juntam a nós. A Cia é composta de oito atores. As mulheres são Bel Garcia, Drica Moraes e Suzana Ribeiro; os homens são eu, o Enrique Diaz, Marcelo Olinto, César Augusto e Marcelo Vale. Nós oito que sustentamos o grupo.

BeC: E as peças, viagens e prêmios do grupo?

G. G: A partir da "A BAO A QU", o Enrique teve reconhecimento como diretor, mas a peça foi mais sucesso em São Paulo que aqui no Rio. Depois foi montada "A Morta", que eu não fiz, porque fui fazer "Bonitinha... mas Ordinária" com Eduardo Wotzik. Fazia parte do elenco a Clarice Niskier, o Isio Ghelman,entre outros, e era muito bacana. Enquanto isso eles montavam "A Morta". Na época eu não quis fazer a peça, não gostava do texto.Quando retornei à Cia, foi na peça "Só Eles O sabem", que era uma delícia de fazer! Veio então "Melodrama"que é nossa peça mais famosa, mais premiada e que mais viajou. Mas as outras também viajaram para São Paulo e Festival de Curitiba. Nós temos uma relação no grupo que ninguém é obrigado a só viver para o grupo, então só fazemos o que queremos. Quando a "A BAO A QU" viajou eu não fui com a peça porque fiquei aqui fazendo "Os Sete Brotinhos" com o Flávio Marinho, "Bonitinha... Mas Ordinária", e outros trabalhos. A peça "Melodrama", a gente chama de grande projeto. No "Melodrama" tivemos um maior reconhecimento, inclusive com prêmios. Agora estamos com "O Rei da Vela", que está sendo o maior sucesso de público.

BeC.: Há quanto tempo você dá aulas, e porque essa decisão?

G. G.: Comecei a dar aulas no Andrews por necessidade. Meu pai tinha falecido e eu precisava ganhar grana. Adoro dar aulas, é uma troca. Adolescente tem uma energia incrível, e até hoje, quando monto as peças com eles tenho aquela chama, que é meio amadora, e consigo encontrar isso muitas vezes no meu trabalho. Quando eu consigo profissionalmente manter a chama adolescente dessa turma é o maior barato, o maior encontro artístico para mim. Estou no Andrews há onze anos toda sexta-feira, e agora dou aulas também na Casa de Cultura Laura Alvim às segundas-feiras, de oito às dez da noite.

BeC.: Como você foi desenvolvendo essa atividade durante todo esse tempo com os jovens?

G. G.: Eu comecei dando aulas praticamente adolescente. Eu tinha vinte e dois anos e alguns alunos eram quase da minha idade. Já tive alunos mais velhos que eu. Era engraçado porque eu era muito exigente, sempre muito estressado, mas bastante animado, então acho que compensava o excesso de rigidez e as coisas davam certo. Eu fiz algumas peças de Shakespeare, montei um musical, e no musical notei que tanto quem fazia como quem assistia, se identificava com o gênero. Eu fiz dois musicais no Andrews com o Miguel. Então resolvi resgatar o que foi muito marcante em mim, reproduzi e deu muito certo. Realizamos trabalhos muito legais. Montei "HAIR" no Andrews que foi o maior sucesso, ficou um mês em cartaz .A moça da tesouraria dizia: "Gustavo, ligam mais pra saber se tem ingresso do que pra fazer matrícula". Foi uma galera assistir; Gilberto Braga, Milton Nascimento...

BeC.: Conta sobre o show que você fez no Mistura Fina. Foi o único? Você tem vontade de fazer mais?

G. G.: Sempre gostei de cantar mas cantava como personagem. Eu sou passista da Mangueira, ligado a ela e tenho uma cultura de música popular brasileira muito bacana. Sempre tive vontade de juntar isso. No show do Mistura Fina eu fiz o roteiro, chamei uma amiga minha, a Inês Viana que também gostava de cantar e produzimos juntos; saiu esse show que fazemos até hoje. Devemos apresentá-lo por agora de novo. Para mim foi maravilhoso fazer. Eu reconheço que sou muito melhor ator - não sei se sou melhor ator que cantor - mas desde garotinho que sou ator, então tenho segurança nisso. Eu não me importo se estou bem, se estou mal, se tenho ou não vontade, vou lá e sei o que estou fazendo. Já como cantor, você cantar a letra sem um personagem na frente, para mim, que sou meio tímido é difícil. Mostrar os sentimentos é desconfortável e ao mesmo tempo o máximo. Tenho vontade de fazer outros shows. Eu fiz Dolores agora, e já fiz vários musicais na minha carreira, mas o de Dolores eu não cantava como personagem, era como cantor. Eu tive que entrar em uma semana e cantar nove músicas em quatro línguas: italiano, francês, inglês e português. Foi um dos momentos mais incríveis para mim. Substituí o José Mauro Brant, que teve que sair um tempo e canta muito.

BeC: Como é para um ator de teatro como você fazer cinema e TV?

G. G.: Eu fiz pouca coisa em TV, em cinema menos ainda. Eu tinha uma certa insegurança em relação a câmera. Trabalhei com o João Salles muitas vezes, fiz comerciais, e propaganda com ele é como se fosse cinema. Com isso eu passei a perder o medo da câmera. Uma vez fiz um teste para novela e foi ótimo. O diretor na época falou uma coisa que ficou marcada em mim. Ele falou que o ator de teatro tem a emoção, então ele se preocupa em dar teatralidade para preencher o espaço inteiro, enquanto o ator de televisão tem aquele sentimento, aquela emoção e pára ali, não tem que passar para ninguém, a câmera capta. E eu achei isso incrível, ficou na minha cabeça. Foi o Luiz Fernando Carvalho quem falou.

No cinema foi diferente; quando fiz "Orfeu", fiquei onze dias filmando. O Cacá é uma delícia de trabalhar, é super calmo, tranqüilo. Então, para mim, que achava tudo estranho estava achando ótimo. Achei incrível fazer uma coisa que em teatro não acontece. No teatro você começa a peça, depois tem a segunda cena, a terceira, a quarta... no cinema você começa pela última, um pedacinho da cena hoje... exige do ator uma concentração e um relaxamento absurdos. É bem bacana fazer.

BeC.: Vocês vão viajar com o "Rei da Vela"?

G. G.: Tudo indica que a gente vá para São Paulo e vamos fazer duas viagens pelo estado do Rio. Com "Melodrama", devemos ir para Portugal, acho que em outubro, talvez para a Espanha, mas ainda não sabemos quando.

BeC.: E o futuro, a Cia tem projetos?

G. G.: No momento a Companhia não está bolando nenhum projeto específico. Eu tenho alguns projetos com outras pessoas. Eu tenho um grande desejo de escrever, colocar minhas idéias no papel. No processo do "Rei da Vela", eu participei de uma forma além do ator, eu fiz a coreografia. Como é uma companhia, todo mundo palpita, acrescenta, e nada é de ninguém. O diretor não dirigiu sozinho, quem coreografou não o fez sozinho, então cada um tem o seu setor, mas tem idéias de todo mundo. Esse é o espírito da nossa Companhia. Eu percebi lá dentro algo muito pessoal, uma facilidade de criar textos na hora do improviso. Como no Andrews eu adaptava todas as peças, resolvi que quero escrever uma peça, tentar isso. Então eu estou lendo bastante, me preparando. Talvez roteirizar, assumir mais as idéias. Eu dirigi também um musical chamado "Galinhas, Um Melodramas de Penas", "Enganado, Surrado e... Contente", e dirigi e roteirizei o meu show "A Flor e o Samba". É muito bom você ter uma idéia, sentar na sua casa, criar e aquilo virar um espetáculo. É fascinante e eu tenho vontade de fazer mais isso.