Neville D'Almeida

Entrevistado por Andréa Mello

 

Brasil em Cena: Neville, qual seu próximo projeto?

Neville de Almeida: O projeto que nós estamos fazendo agora é "Hoje É Dia de Rock".

É uma peça de teatro de um autor mineiro chamado José Vicente de Paula que estreou no teatro Ipanema em 1971/72 - ficou quase dois anos em cartaz.

É um texto que fez uma revolução no teatro nos anos setenta, foi um marco dos anos setenta.

O José Vicente teve um momento de premonição muito forte; é um escritor de grande talento, com uma personalidade única, realmente um grande autor que infelizmente parou de escrever.

É um autor tão autêntico, tão original, sincero, que escrevia com tanta emoção, que chegou um momento em que ele parou, precocemente .

Tem vinte anos que não escreve. Está em São Paulo, morando lá. É um caso interessante de sensibilidade, o Zé Vicente.

"Hoje É Dia de Rock" é o nome de um programa de rádio dos anos 50, pré-televisão e a peça é sobre a juventude , a família, a desintegração da família do interior do Brasil. A família vende tudo e sai, vai embora buscando, testando mudar, com os filhos crescidos. Os filhos são jovens, adolescentes.

E o momento de decisão é o momento que o jovem procura descobrir e que se descobre, é um momento de definição existencial, um momento de definição sexual, um momento de você tomar suas primeiras decisões importantes na vida, como por exemplo o que você vai ser, o que vai fazer, para onde você vai. O que você gosta, o que o faz feliz.

É uma peça sobre essa família. São três irmãos e duas irmãs, é muito interessante. Fala da juventude, do Brasil, do abandono do campo, fala das faltas de condições mínimas para as pessoas sobreviverem no interior do Brasil, fala sobre a música e sobre a poesia, fala sobre os problemas existenciais. Fala sobre a sensibilidade. É um texto realmente fascinante.

Tem uma personagem chamada Rosália, cega, que é mística e quer ser religiosa. Tem outra que é apaixonada pelo Elvis Presley, quer casar com ele que sai de dentro do rádio para tirar a virgindade dela.

E tem os rapazes. Um tem tendência homossexual, outro vai para o convento, não dá certo e volta, o outro é um aventureiro.

Enfim, é como a própria vida.

BeC: Como está essa produção?

N. A.: Está caminhando. Estamos trabalhando na produção, com tudo mais ou menos pronto, na fase pré-produção, em finalização da produção.

Ainda não estamos totalmente prontos . Tecnicamente, artisticamente, estamos prontos e preparados, poderíamos começar a filmar amanhã.

Mas a produção, os meios de produção, as leis de produção no Brasil, as leis de captação são muito difíceis e tornam a produção muito difícil, envolvem o artista e o diretor, o criador. Todos esses processos de captação, que são muito desgastantes, por isso ainda falta um pouquinho para começar.

BeC: Você pensa em que para melhorar essa situação?

N. A.: O problema não é o Neville. O problema é a classe artística, é o cinema, a produção cinematográfica.

Eu acho que a captação, na forma que existe atualmente está fadado a desaparecer. Ela é totalmente anacrônica.

Nós apoiamos a lei, apoiamos quando o ministro criou a lei, mas a prática mostrou que a sociedade brasileira está despreparada para a lei de incentivo a cultura. Eu acho que as lideranças são medíocres e por isso não sabem usar a lei. Não existe a cultura de apoiar a cultura. Existe a cultura da malandragem, de super faturar. Existe a cultura da comissão, do lobby, enfim, tudo contra o cinema, tudo contra a verdadeira arte cinematográfica.

A sociedade tem que mandar, mas na minha opinião o que deve acontecer é que a gente organize o organismo cinematográfico neste país, e que este organismo faça toda a captação, fazer direto para uma secretaria nacional de cinema, um instituto nacional de cinema, como existe na França, Itália, Escócia, Inglaterra, Dinamarca, Espanha, Portugal... nós também precisamos.

E que os artistas não estejam envolvidos nessa coisa nojenta, nesse tráfico de influência, e que tudo isso vá para um órgão , e esse órgão, através de comissões de alto nível, escolha os projetos e destine as verbas e financie , como é aceito no resto do mundo.

BeC: Desde o primeiro filme que você fez para hoje, o que mudou?

N. A.: O primeiro filme que eu fiz foi em 1967, um longa metragem. Eu acho que o que mudou é que hoje está mais difícil, pior ainda que os anos sessenta, mais complicado.

Uma coisa que mudou e muito importante é que hoje a tecnologia desenvolveu muito, hoje tem o vídeo, as câmeras de vídeo, os home vídeos.

Hoje tem uma facilidade enorme, porque a primeira câmera de vídeo Super 8 só apareceu comercialmente nos anos sessenta, então, até lá, era muito difícil filmar. Você só podia filmar em cinema.

Hoje existem câmeras fantásticas, um aprimoramento tecnológico enorme, com preços viáveis. Então, para mim, o que melhorou foi o vídeo e o surgimento da Internet.

Realmente essas duas coisas é que vão fazer diferença e que vão dar um pouco mais de democracia ao cinema.

Num país como o Brasil, em desenvolvimento, com tradição de corrupção muito grande o que acontece é que não existe uma democracia, existe uma aristocracia, só uma elite tem acesso aos meios de produção, e isso se repete no cinema também.

Eu, graças à Deus, me considero um bem-aventurado de conseguir, com luta e exercício diário de cineasta, com uma luta de todo o tempo. Eu produzi todos os meus filmes, não fiquei esperando produtor . Praticamente não existe produtor no Brasil.

Começa agora a existir uns focos de produção, mas muito aquém do nosso mercado, da nossa possibilidade, do nosso potencial, mas eu consegui o segundo filme mais visto da história do cinema nacional – "A Dama do Lotação" – bati todos os recordes de exibição de filme brasileiro em televisão.

Vendi para mais de cinquenta países do mundo. Eu agradeço à Deus por ter me dado o talento e a capacidade de conseguir isso, de conseguir um espaço para mim no cinema.

Mas eu penso em todo mundo, eu não posso pensar em mim só, eu vejo como é difícil para mim, e vejo como é difícil para os meus companheiros, os meus irmãos, os meus amigos, os meus colegas, que passam anos e anos sofrendo para tentar fazer um filme e muitas vezes não conseguem. É uma injustiça enorme.