Paula Nestorov e Antônio Saraiva

PAULA NESTOROV & ANTÔNIO SARAIVA

entrevistados por Adriana Mello

Brasil em Cena: Como foi o começo da sua carreira?

Paula Nestorov: No final dos anos oitenta fui a Salvador participar de uma oficina de dança alemã ministrada pela dançarina Heide Tegeder que fora da companhia de Pina Bausch.

O Instituto Goethe em parceria com a Universidade Federal da Bahia reuniu dançarinos de todo o Brasil para aulas técnicas e teóricas.

Tive o privilégio de ser escolhida.

A partir daí comecei a pensar em coreografar meus próprios trabalhos.

BeC: Quanto tempo você ficou lá fazendo essa oficina?

P.N.: Foram quarenta dias intensos. Não havia nada além de dança de oito da manhã até oito, nove horas da noite, foram dias de estudo e trabalho em tempo integral. Pela manhã, estudávamos técnica, à tarde história e teoria e à noite ensaiávamos para a pequena montagem de quarenta minutos.

Apresentamos esse espetáculo no final do curso numa das salas da UFBA.

De volta ao Rio, continuei a parceria que tinha começado na Bahia com Umberto da Silva. Resolvemos montar um trabalho e tínhamos um pequeno problema, ele morava em São Paulo. Inventamos de trabalhar por telefone, correio...

BeC: Como isso funcionava?

P.N.: Nós bolamos algumas cenas solo. Eu fiz minha parte coreográfica, ele fez a dele. Conversávamos e sugeríamos um ao outro temas para improvisações. As cenas nas quais dançávamos juntos foram ensaiadas e montadas no final do processo.

Convidamos o Val Folly para nos dirigir e trabalhamos direto, nós três, durante quinze dias para fechar o trabalho, que chamamos de "Cachorro sem Dono" e apresentamos no "Movimento Sesc de Dança 1989".

Infelizmente este foi nosso único trabalho juntos. Não conseguimos levar a parceria adiante por causa da distância. Foi aí que minha amiga Lia Rodrigues me chamou para trabalhar com ela e com a Jaqueline Motta. Montamos o "Gineceu" coreografia da Lia.

Só comecei a trabalhar sozinha em 1993 quando montei um trabalho solo que se chamou "De Pedra e Cal".

BeC: Você fez todo esse trabalho sozinha?

P.N.: É, fiz tudo sozinha. Foi uma experiência muito legal porque descobri que tinha disciplina. Descobri também que já tinha um pequeno vocabulário de movimento que era meu, não era copiado de ninguém.

Entre o "Cachorro sem Dono" e o "De Pedra e Cal", cheguei a pensar em me mudar para a Alemanha. Fui convidada pela Heide Tegeder para estudar na escola onde ela dava aula em Hanover. Passei quarenta dias lá com ela. Na Alemanha entendi que apesar de todas as dificuldades que enfrentávamos na época aqui no Brasil, ainda valia a pena ficar por aqui.

BeC: Você tinha uma espaço seu?

P.N.: Não. Eu aluguei a sala, da Claudia Damasio, uma amiga minha. Ela tem um estúdio chamado "Jaguadarte". Trabalhava lá umas duas horas por dia. Ensaiava, mas não tinha a menor idéia de onde aquilo ia dar. Foram seis meses para montar uma peça pequenininha de treze minutos.

Apresentei no BNDES, junto com a Lia Rodrigues, que estava começando a companhia dela, e com o João Saldanha. O projeto se chamou "Peças Coreográficas".

Para este espetáculo tive que fazer de tudo: figurino, coreografia e música. Havia pesquisado músicas portuguesas antigas e fiz uma colagem com elas. Mas não fiquei muito satisfeita.

Comecei a achar que precisava de um músico.

Por indicação de amigos fui procurar Antonio Saraiva.

Começamos imediatamente a trabalhar, foi fácil, me apaixonei pela música do Antonio. Ele nunca havia composto para dança, mas gostou da idéia e topou correr o risco. Ficamos três meses trabalhando no "De Pedra e Cal", até fechar a versão final. Aí sim, o trabalho ficou como devia ser.

Depois desse trabalho começamos a fazer outra peça, agora em dupla, incluindo o Antonio como dançarino e a mim como musisista. Eu tocava piano e ele dançava umas partes comigo. Fiz a coreografia e ele a música. Apresentamos no "Perhappiness" evento patrocinado pela Fundação Cultural de Curitiba em homenagem ao poeta Paulo Leminski.

Logo em seguida, montamos nosso terceiro trabalho "Metal" um solo. Antonio como compositor e músico. Eu como dançarina, coreógrafa e cantora.

Antonio Saraiva: Na música desta peça usei apenas vozes e percussão. Sendo que todas as vozes são cantadas por Paula.

Usei para isto um gravador de muitas pistas, onde gravei a voz de Paula diversas vezes até completar um grande coro.

P.N.: Em "Metal" comecei a experimentar com o guarda-chuva que mais tarde viria a usar em "Chegança". O guarda-chuva tinha uma luzinha dentro e eu dançava dentro da luz do guarda-chuva. Isso foi em 1995.

BeC: E o povo adorou, não é?

P.N.: É. Quem viu gostou, mas eu nunca consegui ver o trabalho, porque infelizmente não gravei e apresentei muito pouco. Não fazia mais sentido trabalhar sozinha. Como eu era coreógrafa e intérprete do meu trabalho a coreógrafa e a dançarina se misturavam.

Me deparei então com a necessidade de separar a coreógrafa da dançarina.

Queria trabalhar com um grupo e este empreendimento tinha se tornado possível graças à frutífera parceria com o Antonio.

BeC: Você cria as músicas vendo o movimento?

A.S.: É um diálogo. Quando nasce alguma idéia de movimento a partir de uma idéia sonora, então o movimento realizado começa a influir na música, que se transforma e influi em novas idéias de movimento e assim por diante.

P.N.: No final de 1995 comecei a escolher os dançarinos.

Elisa Alvarenga tinha sido minha aluna no "Curso de Formação em Dança Contemporânea" na Escola Angel Vianna. Maria Acselrad era atriz e demonstrava um talento especial para o movimento além da coragem de aceitar meu convite. Depois vieram Gustavo Ciríaco, Charles Siqueira, Cristina Souza e Laura Sarmento.

Aluguei um espaço no Teatro Villa-Lobos para trabalhar.

O processo foi longo, dois anos de trabalho direto, ensaios, pesquisas, aulas de dança e de música. Todos eram jovens e precisavam de treinamento básico. Precisávamos criar um vocabulário comum, um código e maior equilíbrio técnico entre nós.

Achávamos, Antonio e eu, fundamental que os dançarinos aprendessem música pois isto facilitaria nosso trabalho mais adiante.

A.S.: A Paula sabe música também, então nosso diálogo é muito direto. Alguns coreógrafos infelizmente não tem uma noção mais profunda de música, o que às vezes dificulta o diálogo com a música. e mesmo o próprio trabalho coreográfico.

Eu estabeleci um código comum com Paula e os dançarinos da companhia. Uma comunicação muito nítida em termos de música. Dei ( e continuo dando) aulas de música para o grupo. Então no que se relaciona à linguagem musical todo mundo falava a mesma língua.

BeC: Você gostaria de trabalhar com um grupo maior?

P.N.: Não. As pessoas que trabalham comigo são muito importantes para mim e sou grata a cada uma delas. Mesmo aquelas que não puderam ficar deixaram sua presença no nosso trabalho. Mariana Handofsky, Helena Medeiros e Astrid Toledo.

Quando se começa um trabalho, você nunca sabe quem vai ficar.

É como fazer uma grande viagem, partir para uma grande aventura, ninguem sabe quem vai chegar ao fim. As dificuldades são muitas.

Este grupo teve a coragem, a tenacidade, a disciplina e a fé em alguma coisa que não existia e que só pôde existir por causa do trabalho e do esfôrço diário de cada um.

BeC.: Como foi montar "Chegança"?

P.N.: Depois de um ano de trabalho escrevi um projeto para a "Bolsa de Artes Vitae", uma fundação em São Paulo, que oferece bolsas de pesquisa em música, teatro, literatura e dança. Ganhamos a bolsa em 1997 e pudemos continuar o trabalho com um pouco mais de conforto.

Meu projeto se baseou na observação feita por Mário de Andrade das Danças Dramáticas brasileiras. Daí nasceu o "Chegança", nosso primeiro trabalho.

A minha intenção com "Chegança" foi manter a estrutura das danças dramáticas, na verdade, a dualidade entre o cortejo, que é a parte dançada, e as embaixadas, a parte dramática. Se você olhar uma dança dramática, ela sempre acontece assim: o grupo sai em cortejo pela cidade e de repente acontece uma cena; depois continua o cortejo. Mantive essa estrutura.

Também aprendemos padrões de dança popular com Eduarda Maia, mas estes padrões foram reprocessados na sala de ensaios. Vou dar um exemplo para que fique mais claro: no frevo o peso do corpo transita do calcanhar para o metatarso, para a borda externa, para o peito do pé.

A partir destas observações improvisávamos durante os ensaios para criar novos padrões. Assim criamos uma série de padrões que não são de dança nenhuma mas que conservam elementos das danças populares.

O que apresentamos no "Chegança" não é a dança popular como ela é na sua origem mas a tentativa de uma leitura contemporânea para essas danças.

Estreamos no "Movimentos SESC de Dança 1997", em São Paulo.

No Rio estreamos no "Panorama Rioarte de Dança" e fomos selecionados por um grupo de críticos alemães e brasileiros para dois festivais na Alemanha. Viajamos com a "Rubens Barbot Companhia de Dança", em 1998, para o festival "Brasil Já", em Munique, que reuniu grupos de teatro, dança, música e cinema do Brasil inteiro. De lá fomos para o "Sommertheater Festival Hamburg" um festival internacional que reúne grupos de dança e teatro do mundo inteiro.

BeC.: Vocês tem apresentado o "Chegança" por aqui?

P.N.: Desde que voltamos da Alemanha, temos apresentado o "Chegança" regularmente no Rio. Fazemos espetáculos para um projeto que me emociona muito, o "Horizontes Culturais". É um projeto da prefeitura para professores e alunos da rede municipal de ensino. O teatro Carlos Gomes fica lotado de crianças e adolescentes. Depois eles sobem no palco e aprendem alguns passos de dança. No final todo mundo dança.

Outro projeto emocionante em 99 foi o "Coração dos outros, Saravá, Mário de Andrade".

No fim de 1998 a Lia Rodrigues organizou uma grande exposição sobre Mário de Andrade aqui no Rio. Depois ela se aliou ao SESC São Paulo e o projeto se ampliou reunindo grupos de teatro, música, dança e poesia que viajavam e se apresentavam em cidades do interior. Uma grande ciranda- caravana! Viajávamos para cidades muito pequenas, montávamos o palco na praça e toda a cidade vinha ver.

Também participamos com uma nova peça, "Guirlanda", na série "Dança Brasil" no CCBB, mais um evento de dança que tem tido sucesso no Rio sob a direção Leonel Brum.

No momento estamos começando um novo trabalho e crescendo a companhia com a inclusão de Vanessa Uchoa Bond e Bruno Passos.

BeC: Isso é para quando? Quando é que vocês vão começar os ensaios?

Nós já começamos a trabalhar.

Começamos com uma oficina de voz com Suely Mesquita . Não sei se vou usar a voz cênicamente mas, de qualquer maneira, o dançarino precisa respirar bem para dançar bem e para isso é bom cantar ! Vamos retomar as oficinas de música com o Antonio.

BeC: Vamos falar um pouco do CD "Chegança"?

A.S.: O disco foi uma produção nossa, que foi editada pelo Selo RioArte Digital . Lançar o CD foi uma forma de perpetuar e expandir o trabalho além das apresentações. Neste momento, por exemplo, deve haver alguém ouvindo Chegança na Alemanha, em São Paulo, na França, em muitos lugares por onde passamos e vendemos o CD.

Sem dúvida funciona também como um merchandising. Tipo "veja a peça e compre o disco" .

O CD de Chegança também tem sido bem executado também na Rádio MEC FM.

BeC: Quais foram os instrumentos usados?

A.S.: Cordas (viola: Tina Werneck, contrabaixo: Bruno Migliari) percussão (Celso Alvim, Sidon Silva, C. A. Ferrari), acordeão e violão de 12 cordas que eu mesmo toquei.

BeC: O disco está à venda nas lojas?

P.N.: Sim, e também em diversas livrarias e cinemas . Parte da tiragem o instituto Rio Arte distribui em escolas e bibliotecas e eventos e séries culturais promovidos pela Prefeitura.