Pepa Delgado, por Marcelo de Castro

PEPA DELGADO PEPA DELGADO

Sempre tive fascinação pelas coisas do passado. Fui criado em um casarão oitocentista, favorecendo minha familiarização com construções, móveis e objetos centenários.

Ao assistir novelas de época, ficava impressionado com o estilo das músicas que eram tocadas em rádios capelinha. Interessei-me em conhecer aquele tipo de música, tão diferente do que eu ouvia no dia-a-dia; era tão envolvente!

No natal de 1988, quando tinha 13 anos, ganhei de minha mãe um LP de Dalva de Oliveira. Meu Deus! Foi incrível! Havia encontrado, enfim, um estilo de música com o qual eu me identificava. Aquelas letras e melodias eram repletas de sentimentos. Ficava trancado em meu quarto escutando Dalva cantar "Kalu", "Folha Morta", "Encontrei Afinal"...

Procurei adquirir mais gravações e conhecer os outros intérpretes da chamada "Fase de Ouro da MPB". Em seguida, conheci Carmen Miranda. Fui atrás de uma Carmen vestida de baiana, cantando "Mamãe eu quero" e encontrei outra Carmen, aos 21 anos, em início de carreira, interpretando "Triste Jandaya", de 1930. Foi uma agradável surpresa. Logo me tornei seu fã e admirador de suas primeiras gravações.

Como são gostosas suas músicas: "Gostinho Diferente", "Será Você?", ambas de 1930.

Recebi, de um amigo, uma fita cassete contendo gravações das duas primeiras décadas deste século. Me senti atraído pela gravação "O Vendeiro e a Mulata", dueto interpretado pela atriz Pepa Delgado e Mário Pinheiro, de 1906. A música enfoca a tentativa de um capadócio em seduzir uma mulatinha. Gostei da interpretação extrovertida de Pepa. O que ela teria gravado fora essa música? Como ela era?

Eram perguntas que me vinham à imaginação. E eu queria mais gravações com ela. Queria conhecer sua carreira. E a carreira de seus colegas. Por conta própria, saí em busca de informações sobre Pepa Delgado. Consegui algumas gravações sua com amigos colecionadores .Tive a sorte de entrar em contato com seu filho e sua neta, que me fornecem preciosos dados e objetos pessoais da artista, facilitando meu projeto de escrever sua biografia.

                                                                        Marcelo de Castro

                                                                        theatrorecreio@hotmail.com

 

Maria Pepa Delgado nasceu em Piracicaba, São Paulo, a 21 de julho de 1887. Era filha do toureiro espanhol Lourenço Delgado e de Ana Alves, paulista de Sorocaba. Em 1902, aos 15 anos, foi para o Rio de Janeiro com seu pai. Logo tornou-se atriz e cantora. Nesse mesmo ano, gravou, com o cantor Mário Pinheiro, a música de Chiquinha Gonzaga "Corta Jaca", tendo os versos do ator Machado Careca. A revista musical "Cá e Lá", da autoria de Tito Martins e B. de Gouvêa, estreou no Theatro Recreio a 15 de março de 1904, obtendo muito sucesso. Pepa gravou algumas músicas que fizeram êxito na revista, como o maxixe "Café Ideal" e a cançoneta, com melodia de Chiquinha Gonzaga e letra de Tito Martins, "O Abacate". A música fazia parte do "Coro das Frutas" e seus versos possuem um delicioso duplo sentido:

 

"Tem mui preciosas propriedades
Artes possui misteriosas
Pra corrigir até da idade
Os descalabros... e outras coisas!

 

Levanta um morto e se nos vivos
Produz desejos... de morrer
É pra de novo e mais ativos
Breve tornarem-se a erguer!

 

Assim num moribundo
Que é caso sabido
Já de todo perdido
Não dava uma palavra...
Tal efeito profundo
Fez o abacate
Em suma, em suma
Até que fez
Que o homem em vez duma...
Deu duas?
...deu três palavras, sim senhor!"

 

Desta mesma revista, a atriz gravou, com o ator Alfredo Silva, "Maxixe Aristocrático". A música garantia que a dança em moda, o maxixe, havia chegado para desbancar valsas, polcas e quadrilhas. E terminava seus versos concluindo que "se o próprio Padre Santo sabendo o gosto que tem. Virá de Roma ao Brasil dançar o maxixe, também!"...

Nesse mesmo ano, a 7 de outubro, apareceria ao lado de Lucília Peres e Alfredo Silva na revista "Avança". Lançou e gravou as músicas "Um samba na Penha" e "Recomendação" que, segundo a imprensa da época, "permitia à endiabrada senhorita Delgado pintar o sete na interpretação".

O maxixe alcançava, cada vez mais, o gosto popular. Nos Clubes Carnavalescos, nos cafés-concerto, nos Teatros, todos dançavam o maxixe. Pepa destacou-se, também, como exímia maxixeira. Seu nome figurava nos cartazes dos teatros do Rio e São Paulo em anúncios de "apresentação da popularíssima Pepa Delgado em maxixes nacionais". Em 1906, a atriz Maria Lino, que havia levado o maxixe ao exterior, com o dançarino Duque, lançou na revista musical "O Maxixe" o tango-chula "Vem cá, mulata!". A letra exalta uma das três mais antigas sociedades carnavalescas, o Clube dos Democráticos:

 

"Vem cá, mulata
Não vou lá não
Sou democrata
Sou democrata
Sou democrata
De coração

Os Democráticos
Gente jovial
Somos fanáticos
Do carnaval
Do povo vivas
Nós recolhemos
De nós cativas
Almas fazemos"

 

Foi gravada por Pepa e o cantor Mário Pinheiro, antes da dupla Os Geraldos fazerem um registro desta música.

Foi uma das primeiras pessoas a reconhecer o talento de Vicente Celestino e a ajudá-lo. Solicitou a Fred Figner, diretor da Casa Edison, que doasse seu terreno de Jacarepaguá para a construção do Retiro dos Artistas.

Em 1920, Pepa casou-se com o oficial do Exército Almerindo Álvaro de Morais, também tesoureiro do Clube dos Democráticos. Abandonou a carreira em 1924, dedicando-se ao lar. No ano seguinte, nasceu seu único filho, Heitor. A família morou em vários lugares, inclusive no Encantado, onde Pepa ligou-se à irmandade da Igreja de São Pedro. Gostava de festejar o São João, confeccionando roupas, licores, balões... Em 1945, Pepa contraiu hepatite. No dia 11 de março, faleceu, aos 58 anos. Pepa foi uma das cantoras pioneiras que mais gravaram nas duas primeiras décadas do século XX. Em seu repertório há pérolas, como "Rasga o Coração", bonita canção de Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense, também conhecida por Yara.