Zezé Motta

ZEZÉ

Entrevistada por Adriana Mello

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Brasil em Cena: Como evoluiu o cinema nacional desde o começo da sua carreira?

Zezé Motta: Desde que comecei a fazer cinema nos anos setenta, ele passou por vários momentos. Lembro que quando eu era adolescente adorava chanchadas - Oscarito, Sônia Mamede, Grande Otelo. Eu não tinha a menor idéia que ia fazer cinema. Depois veio o cinema novo, com o Gláuber Rocha.

Comecei fazendo pontinhas, como nos filmes "A Rainha Diaba" e "Cléo e Daniel", até que veio um papel para valer em "Vai Trabalhar Vagabundo", com Carvana.

Na fase da ditadura, ficou complicado fazer arte no Brasil, tudo era muito censurado. Para não se falar dos problemas do Brasil se liberou a pornochanchada. Eu cheguei a trabalhar em duas.

Depois que passou a fase da ditadura o cinema nacional ressurgiu com Cacá Diegues, os Barreto. Há trinta anos que eu faço cinema e sempre sinto que falta alguma coisa... Quando o Collor entrou, por exemplo, fechando a Embrafilme, nós interpretamos como uma vingança dele contra o meio artístico, por não termos votado nele. Muita gente fala que a Embrafilme era um mal necessário, porque havia problemas com ela, mas pelo menos era uma garantia de se fazer cinema aqui. Por um lado foi bom porque acabou aquela depedência e todos arregaçaram as mangas e foram à luta, mas realmente não dá para fazer cinema sem apoio. Foi preciso aparecerem essas leis de incentivo para que o cinema nacional ressurgisse.

Agora estamos numa batalha muito grande para que os acidentes que aconteceram com o Guilherme Fontes e com a Norma Bengel não atrapalhem novamente o cinema brasileiro.

Eu fui convidada pelo Miguel Falabella para fazer o primeiro filme que ele vai produzir e dirigir, baseado em sua peça de teatro "Como Encher Um Biquíni Selvagem", que era protagonizada pela Cláudia Gimenez - era um monólogo. Ele adaptou para o cinema e distribuiu os papéis com outras atrizes. Ele convidou a mim, a Marília Pera, Natália do Vale, Arlete Sales e a própria Cláudia Gimenez. Vão participar também o Karan, o André Vale... vai ser um elenco da pesada.

Ele já tem apoio da Columbia Pictures, e estava procurando recursos para completar o orçamento aqui no Brasil. Mas alguns empresários estão tratando cineastas como bandidos, estão desconfiados. Acho que vai ter que se fazer uma campanha muito grande para deixar bem claro que a cara do cinema nacional não é essa, nós somos sérios.

BeC: Você começou no teatro, não foi?

Z.M.: A minha primeira peça profissional foi "Roda Viva", um texto de Chico Buarque de Hollanda com direção de José Celso Martinez Corrêa. Foi uma peça que acabou sendo proibida pela censura e nós fomos perseguidos por um grupo chamado Comando de Caça aos Comunistas porque a peça era considerada subversiva.

Era ousada realmente, mas o texto do Chico nem tanto. O texto contava a história de um ídolo, como era ter fãs que rasgam as roupas de seus ídolos, não ter privacidade, essas coisas. Só que Zé Celso estava doido para falar daquele momento do Brasil, então ele aproveitou. A gente gritava em cena "Abaixo a ditadura", saindo pela platéia e vinham uns guardas com cassetetes. Tinha outra cena que era uma crítica à sociedade de consumo, e nós íamos para a platéia e sacudíamos as pessoas dizendo: "compre, compre..." histericamente, e eram umas vinte pessoas fazendo isso.

A peça foi proibida no Rio, mas nós fomos para as ruas e conseguimos liberar, fizemos em São Paulo, mas esse grupo de direita radical não concordou com a liberação e resolveu agir por conta própria. Nos espancaram, invadiram o teatro Ruth Escobar, seqüestraram atores em Porto Alegre, ameaçaram jogar uma bomba no hotel em que estávamos; pressionaram mesmo o governo. Então a peça foi proibida definitivamente.

BeC: Você acha que a realidade do negro é retratado fielmente na mídia?

Z.M.: A questão do negro na mídia é bastante delicada. Até há bem pouco tempo, só aparecíamos fazendo personagens serviçais, como empregados domésticos, motoristas. O que se alega é que esta é a realidade do negro, o que não é verdade.

Nós temos uma burguesia negra. Temos médicos, engenheiros, arquitetos, psicólogos empresários. É claro que não é a maioria. Não é a maioria que vai às faculdades, mas também não somos todos faxineiros. Então, o que falta é um interesse, um empenho, acho que falta pessoas escreverem para negro. Você só vê o negro maciçamente nas telas quando se fala de escravidão. Aí não tem jeito e se convoca todos os atores negros que se conhece, mais os figurantes. Fora isso, não se escreve histórias contemporâneas para o negro. É falta de interesse; quase não se vê o negro.

Quando eu passei no teste para fazer Xica da Silva, uma revista disse o seguinte: "Quem passou no teste foi uma atriz feia, porém exuberante". Eu, como todo mundo, tem dias em que me acho feia, mas tem outros em que não. Eu olhava para a foto e achava que estava tão bonita nela! Isso acontece porque o nosso padrão de beleza é o europeu.

É tão grave que o negro que consegue chegar lá tem o salário defasado, se valoriza muito o louro de olhos azuis em todas as áreas. É uma atitude prepotente e pretensiosa do branco que está no poder se considerar como parte de um grupo superior. Quando se fala no assunto, isso é às vezes interpretado como paranóia. Dizem que estamos sendo racistas ao contrário ou que estamos querendo ser raça superior.

Na verdade está tudo errado, somos todos da raça humana, não importa a cor da pele. Fazer arte no Brasil é difícil e para o ator negro é mais difícil ainda. O negro ganha menos que o branco e a mulher negra menos ainda.

Apesar dessa dificuldade toda, eu sou uma pessoa de muita sorte. Desde que as coisas deram certo para mim, comecei a perguntar "cadê todo mundo?". Eu tenho trinta anos de carreira e no começo éramos meia dúzia de negros. Grande Otelo, Ruth de Souza, Pitanga, eu, Léa Garcia - dava para contar nos dedos - Zózimo Bulbul, Heloísa Maranhão. Só uns dez atores apareciam. 

Quando eu estourei com Xica da Silva, depois que passou a fase da euforia - eu viajei por todo o mundo lançando o filme - percebi que tinha uma grande responsabilidade com a comunidade negra. Começaram a me fazer perguntas que eu não tinha resposta. Fiz um curso com a saudosa Adélia Gonzales, uma antropóloga negra, e ela me convenceu que era preciso arregaçar as mangas e fazer algo para virar esse jogo. 

De lá para cá as coisas mudaram um pouco. Principalmente na publicidade, a gente já percebe uma virada porque chegaram à conclusão que negro consome. Pasta de dente, sabonete, desodorante, iogurte, tudo! O que os fez tomar consciência disso foi o fato de terem lançado uma revista "Raça Brasil", que foi a que mais vendeu no ano em que foi lançada. A partir daí a gente sente uma preocupação em investir mais em produtos para negros, e usá-los em publicidade. 

Também teve muita pressão do movimento negro, que começou a articular em Brasília a possibilidade de se fazer uma lei como nos EUA, estabelecendo um percentual obrigatório de negros na mídia. Eu não sei como ficou a lei, mas sei que a pressão funcionou. É um absurdo que no Brasil, um país negro, mestiço, ter que ter uma lei para o negro aparecer na mídia.

Por conta de ter tomado consciência desse problema, da vontade de fazer alguma coisa, eu já era do movimento negro na época. Ao mesmo tempo, sou de uma geração que percebeu que não adiantava mais ficarmos só trancados nas faculdades discutindo isso ou nos lamentando, ou indo para as ruas só no dia treze de maio. 

Minha geração é a do movimento negro que abandonou a discussão e partiu para a prática, e por causa disso, eu sou fundadora e presidente de uma ONG, o CIDAN - Centro de Documentação e Informação do Artista Negro - que tem por finalidade dizer quantos somos, quem somos e onde estamos. Se argumentava que só contratavam a gente porque só conheciam a nós, e perguntavam onde estavam os outros atores negros que falávamos que não conseguiam trabalho. Resolvemos então nos organizar. Fundamos essa ONG. Primeiro era apenas um arquivo com apoio da Fundação Ford e da Cult Filmes, hoje temos uma página na Internet no endereço www.cidan.org.br. Eu tenho muito orgulho de ter sido escolhida por Deus para tomar essa iniciativa. A página está ajudando muito porque não se faz mais cinema nem televisão sem consultá-la, quando se precisa de uma cara nova, de um ator novo ou veterano que tenha mudado de telefone ou de endereço. 

BeC: E como você começou a fazer música? 

Z.M.: Durante oito anos eu fiz praticamente só teatro. Depois veio a televisão. Minha primeira novela foi "Beto Rockfeller", de Bráulio Pedroso, em 1968. A TV chegou mais ou menos junto com o teatro. Depois veio o cinema, mas meu sonho era cantar. 

Meu pai era músico, professor de violão e muito cedo descobri a música, mas como a oportunidade como atriz veio primeiro, eu aproveitei. Quando veio "Xica da Silva" - e eu posso dividir minha vida entre antes e depois desse filme - eu estava fazendo uma ponta numa peça de teatro e me perguntaram o que eu ia fazer. Eu disse que agora ia cantar. Era um papel tão importante... mas continuei fazendo minhas pontas em teatro e novela. 

Como eu estava no auge do sucesso, choveram gravadoras. Eu assinei com a Warner e começou minha vida de cantora, que não é muito regular, não sei muito bem porque. Não sei se eu não soube administrar, ou se o fato dessa divisão entre atriz e cantora - que o Tárik de Souza chama de cantriz - atrapalha, porque nós não temos tradição de cantrizes. No Brasil, quando as pessoas dão certo na música abandonam a profissão de ator. O Ney Matogrosso era ator, a Tânia Alves tem a mesma divisão que eu, a Elba Ramalho era atriz, parece que para engrenar na música tem que se dedicar só a ela. 

E é muito curioso, porque vem a Lisa Minelli, a Shirley McLaine e ninguém discute o que elas fazem melhor, se sapateiam melhor que dançam ou cantam. A gente vai ver, aplaude e acha ótimo. Acho que o ideal seria todo ator ser também cantor. 

BeC: Você pretende gravar mais? 

Z.M.: Eu estou há alguns anos sem gravadora. Tem essa contradição também em minha vida. Eu sou uma cantora que nunca fez uma temporada no Canecão, ATL, nessas casas da moda, mas ao mesmo tempo, cantei no Olimpia de Paris, no Carnegie Hall e na Feira de Hanover, na Alemanha, convidada pelo Itamarati. Teve épocas da minha vida que eu cantei mais fora. São as contradições do nosso país. Na feira industrial de Hanover, representando o Brasil, foi uma emoção muito grande. No Carnegie Hall, quando acabei de cantar, desmaiei de tão nervosa. Era um projeto especial chamado Música do Caribe no Carnegie Hall. Eu devo ter cantado uns vinte minutos. No fim, quando cantei: "ai, iôiô, eu nasci pra sofrer, fui oia prá ocê, meus oinho fechô...", um fiz vocalize, de propósito, como os americanos gostam, jazístico, e eles aplaudiram no meio do improviso. Quando acabou, o produtor que estava me acompanhando falou: "Aí hein, nêga, aplaudida em cena aberta!", eu falei: "Deixa de ser mentiroso...", e caí. Nem ouvi os aplausos. 

O Carnegie Hall é um templo sagrado. Todo pessoal da imprensa que me entrevistava perguntava se eu tinha consciência do palco que eu ia pisar, onde cantou Billie Holliday, entre outros, e eu ia ficando mais nervosa. Lá tem uma organização que aqui nem imaginamos. A gente não relaxa porque vinha a "union", um sindicato deles, que protege os músicos, controla tudo. A ordem é: "se uma dessas pessoas que está de uniforme disser para você parar, não pergunte porque, simplesmente pare". Nós não podíamos pegar nenhum material, nem um microfone, se não fosse entregue pelo próprio técnico. Se você chegar com até quinze minutos de atrazo recebe uma multa, passando desse tempo estará fora do espetáculo.

Eu fiz uma foto para a Veja na porta do Carnegie Hall e, quando voltei para o Brasil, meu médico me ligou preocupado, perguntando se eu estava bem, porque ele ficou impressionado ao ver minha foto. Eu estava era com cara de tensa mesmo! 

BeC: Se você fosse escolher, o que seria? Cantora ou atriz de cinema, teatro ou TV? 

Z. M.: Eu fico em estado de graça quando estou cantando e também quando estou representando, principalmente se estiver curtindo muito o personagem, como dessa novela de agora "Esplendor" - estou gostando muito. 

A Irene é inspirada num filme chamado "Imitação da Vida", só que no filme era uma menina. Eu vi esse filme três vezes e chorei as três. Sempre que via pensava que não ia chorar mais porque já sabia o fim, que o personagem morria e a filha se arrependia de não ter dado valor à mãe. Tinha um enterro lindo, que o personagem pedia para a patroa, tinha escrito como queria o enterro, era lindo, cavalos brancos, carruagens. 

Mas se me encostassem na parede eu escolheria música e cinema. Eu gosto de televisão, a única coisa em TV que me incomoda um pouco - agora menos - é a falta de tempo de amadurecer os personagens. No cinema a gente tem tempo de dissecar o personagem. Os últimos trabalhos que fiz com o Cacá Diegues já estávamos discutindo até qual era o signo do personagem, para fazer o perfil. O Avancini faz isso na TV, ele dizia que fulano era de Oxum ou de Iansã, então você pesquisa como são essas personalidades. E aí você tem mais elementos para compor o personagem. Na TV, quando encontro o tom do personagem já está no meio da novela. Mas agora já estou mais rápida.

BeC: Quais os seus projetos daqui para a frente? 

Z. M.: Agora estou empolgadíssima com meu novo projeto, até por isso voltei para minha aula de canto hoje. É um projeto bem ousado, uma homenagem a Elizeth Cardoso. Estou escolhendo as pérolas do repertório dela, mas está difícil escolher. Já consegui selecionar quarenta músicas. Dessas só entram vinte ou vinte e duas, e no disco só quatorze. Eu vou gravar pela Albatroz , a gravadora do Menescal, que vai fazer a direção musical. Convidei o Ricardo Cravo Albim, para me ajudar no roteiro do show, a Marília Pera para dirigir, mas parece que ela não vai poder. Vamos começar por Manaus, Belém e São Luís. Nós temos um trato com a Tele Amazonas, que está nos dando um apoio. Depois vamos para São Paulo. Só vamos vir para o Rio em outubro, acho. Vai ser no Garden Hall. Estou estudando a vida da Elizeth, tem uma série de coincidências nas nossas vidas, a começar pelo signo, ela era canceriana, igual a mim, mãezona, romântica. Também fechava os olhinhos quando sorria.